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Nestas últimas semanas talvez eu tenha sido um pouco mais para alguém. Assim quero crer. Talvez esteja a ser demasiado convicto, mas alguém, mais do que qualquer outra pessoa, conhece a minha teimosia e incapacidade de ceder sem combate. O veneno em que se tornam as minhas convicções.
Tentei que, em silêncio, conseguisse escutar o assobio do vento norte quando mergulha entre o gelo das montanhas mais altas que os seus olhos imensos já viram; há algo em si que não deixa adormecer a única noção de toque divino que consigo em toda a minha descrença, manter acesso. Uma pequena réstia de fantasia.
Mentiria de forma cruel se omitisse o quanto me destroçam as dúvidas sobre o seu futuro. Porém e enquanto escutava a música do seu rir no momento em que mergulhava no lago gelado ou entre o conforto ameno das palavras preocupadas, não me é possível riscar uma estranha emoção; como se naquele rosto cristalino e intocado fosse possível, palpável, pensar na eternidade; entre o roçar das toalhas que me limpam o corpo pelas pequenas mãos apressadas. É primordial para criaturas como eu trancar momentos assim: para que sejam eternos.
Reconheço-a igual a mim. Verdadeiramente mais perfeita. Essencial para quem a rodeia. Mas também igual a mim. Caminhante sem desejar um destino; apenas um porto para descanso. Uma fome voraz de sentir, que nos diverte secretamente e assusta quem se conforta em mais um dia de calor caseiro. Creio que me foi retirado um pedaço de alma em seu nome. Mas nunca me arrependerei.
E quando a noite se deitou ao nosso lado os ventos do norte conspiravam medos que apenas eu escutei. Enquanto dormia profundamente em cima do meu ombro, coberta pelo meu mais espesso casaco, mantive o fogo acesso e o calor que torna a sua face rosada. Senti ser um qualquer deus, porque naqueles momentos de cuidado vigilante sei que mesmo a morte se afastaria atemorizada. Envergonhada.
E uma vez mais, metodicamente previsível, observei a aurora a esbracejar. Uma vez mais o sono morreu em mim.