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antes do sono, porque estou cansado ...
" gostaria de dominar a expressão ou as palavras escritas - como se fosse possível exercer a pressão certa, necessária, para justificar o que já foi justificado com outras notas na margem de outras folhas. neste gosto do que cintila por baixo de certas cicatrizes, algo que vai sucedendo em todas as horas que o meu corpo se junta ao teu, e as a palavras se tornam silêncios; quando algo diz branco e eu vou dizendo negro.
não creio que o seja o verbo a justificar a minha estúpida falta de talento para fazer sentido neste turbilhão; não consigo trabalhar a palavra com a precisão do meu pensamento; mas a teimosia dita os meus caminhos e o meu sonambulismo por isso recuso a defesa.
mas se a palavra escrita é isto, talvez seja apenas necessário escorrer esta vontade de deixar que enterres na minha pele os teus segredos; talvez me liberte desta sombra que alimento sempre que brilha a ideia de que não mereço o teu portento; por vezes - nos momentos em que acordo e observo o teu corpo no escuro da noite profunda - esqueço-me do que sou e mereço, e consigo sentir o sabor do beijo; enquanto alimento a suavidade do perfume tento respirar contigo - o Cosmos fica ali, estático e mudo.
e quase, quase, consigo sentir-me inocente depois de tudo. E quase, quase, sinto a veneração pela tua impossível capacidade de cuspir piedade na minha alma. sabes como se torna dolorosa a tarefa de aceitar uma outra criatura que não vende as minhas imperfeições para se salvar a si mesma? sabes?
dizem que a falta de sono corrói o pensamento - como se a insónia fosse aquele pequeno demónio delinquente que vai pintando as horas na falsa ideia de sono e sonhos. mas para mim é tão claro. o sono atrasa a tua chegada e sei que vai assassinando lentamente esta necessidade que tenho de ver e olhar - o sono é uma mentira vestida de cansaço. apenas isso."