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A Luz de outros Dias...
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Não me esqueço dos dias debaixo daquela luz nas manhãs de sol. Das palavras e frases enquanto me banho no cinzento chumbo que jorra pela abóbada, como se o próprio céu estivesse presente e em escuta. Existe um cheiro a flores que não identifico, mas sei que os pequenos bolos castanhos que engordam o frasco de vidro transparente são de canela. E chocolate fino. E que é sabido como gosto de os devorar com o café. E que, mesmo contra a sua vontade que sempre se pauta por um sorriso cúmplice, partilho metades com o cão que se junta a mim silencioso - como dois companheiros de insensatez.
São os olhos como gemas brancas que transportam a reverência do silêncio. Revelam como a alma consegue ser solene por momentos. Apenas em fugazes instantes, porque depois assento os pés na aridez terrestre e acompanho o piano de Rachmaninoff, como uma poção de salvamento. Como se a solenidade fosse coisa de deuses e outras criaturas de mito.
Li algumas das tuas palavras escritas. Em voz serena e a deixar escutar a chuva que explodia nos vidros grossos das janelas da sala de livros. Não tudo o que escreves. Apenas traços que prefiro e escolho. Egoísta. Não são palavras carentes de elogios e são, demasiadas vezes, atiradas como sementes para alimento. Para alguém que não a mim ou a quem me escuta. Mas escolho as tuas frases como caminhos de sombra - porque afinal é isso que me interessa. Nestes momentos. Sombras. Os teus multiversos mais cinzentos.
São as tardes feitas de momentos breves como essa solenidade transparente. Palavras imaginadas no sentimento tinto e amargo de quem as ouve com outros sinais - olhos cor de neve que não precisam de Tolstói para sonhar alto.
Gosto de purgar a tua escrita naqueles momentos. Transformar o que permanece em alimento apenas saboreado pelo silêncio de quem a escuta.
Enquanto bebo mais um trago de café. Enquanto mastigo mais uma metade de bolo de canela. Enquanto, aos meus pés, o cão enorme antecipa a sua parte do prazer.