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O Espírito e o Vinho

(999)

Se estivermos atentos é fácil perceber que escondido no sorriso dançam incertezas; não se mostram sempre, e são como aqueles jogos luminosos entre as folhas das árvores que se agitam na luz do sol e na sombra. Um sorriso aberto que se torna estranho quando a atenção se demora um pouco mais na tonalidade fantasma que aparece envergonhada e escondida, intermitente e distante, recolhe-se desligando as luzes. Sedentos, iluminam os olhos e descobrem a alma, reclinam o espírito e despertam nas palavras. Os que, mesmo assim, não falam e apenas olham distantes, habitam outros espíritos, outras escarpas - porque o vinho não agita o seu sono como um pai ao filho antes de sair,  mas antes se torna uma mãe que sussurra uma melodia encantada ao ouvido da sua cria. E para estes parece não haver maior preciosidade. 

Se a noite parece dispersar os espíritos como se fossem cinzas de mais um fogo extinguido, se o que bate dentro do peito é a cadência que nos aproxima do inevitável esmorecer, então tudo justifica esse portento cor de sangue como companhia de uma lucidez obstinada, tudo parece submeter a razão a um beijo tinto de desejo proibido. Inclina o espírito para o livro sagrado e aceita um trago de sangue de um filho de Deus. Escorre uma fome escondida entre sorrisos e sombras ...

E é preciso saborear até ao último trago esse beijo maldito, ímpio de saliva carnal, para despertar o vinho do espírito, esse instante em que te tornas absoluta em meus olhos perdidos. 

 

(Fleuma)

 

 

 







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