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Esta noite um pacto entre caminhos.
Sangue por sangue. Olhos nos olhos. Pensamento por pensamento. Um pacto de companhia entre caminhantes.
Ou talvez um pactuar de almas cegas. Gosto disso. Do sabor de uma alma cega e silenciosa, que cintila quando lhe mostro o ranger dos ramos das árvores ao peso da neve do Norte. Gosto dessa ideia, de uma outra alma cega, que mesmo assim, consegue apontar-me outros silêncios consentidos, outras auroras em noites de insónia.
E neste pacto, insisto em escrever-te com sangue porque não consigo abandonar esta paixão pelas noites em que não durmo solto e com a leveza do cansaço extremo. Falar desse abandono em luxuria pontuado pelas luzes nos céus escuros que tantas e tantas vezes revigoram as minhas certezas. Insisto nisto, é claro. Eu sei. Uma forma de loucura que se aproxima de uma febre espástica; uma paixão tão dolorosa como arrebatadora. E mesmo assim não é possível para mim resistir-lhe.
Sabes?
O velho nunca mais voltou a percorrer o estreito caminho de pedra do jardim até ao canto mais profundo, para colocar uma flor junto da imagem de uma senhora. Há muitos meses - mas eu insisto em sentar-me em frente à casa fechada. E continuo a inclinar a cadeira onde me sento contra a parede, e a poisar os pés em cima do parapeito de madeira. E permaneço estático com a caneca de café nas mãos como se acreditasse que o velho voltará a colocar a flor no pequeno altar. Talvez um outro pacto que recuso rasgar, sabes? Porque me fustiga a tristeza aquela casa silenciosa e fechada aos passos do velho. Porque me parece que as pequenas árvores do pequeno jardim já não dançam com o vento, como sempre me pareceu quando o velho caminhava ligeiro entre elas. Por isso não quebro este pacto que o senhor de cabelos estreitos nunca quis assinar, mas que eu, demónio de encruzilhadas, decidi pactuar.
Acredito em pactos desaparecidos da memória. Antiquíssimos como a necessidade de te descrever o que persigo - como se isso fosse importante para ti. Como um desejo intenso de que o teu olhar seja o meu e o velho desaparecido permaneça, como um selo de sangue entre nós.
(Fleuma)