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Na primeira vez os olhos não conseguem permanecer distantes, incapazes de compreender aqueles primeiros instantes de portento. Nestes estranhos momentos, a ilusão da permanência deixa de ser apenas um mero sonho, acredito. Uma primeira vez, para deixar que sobreviva dentro de mim aquele pensamento que alimenta a chama de que algo irá continuar muito além de meros instantes, de que não será apenas breve e depois esmorece. Sempre bateu mais forte o coração assustado nestes primeiros instantes da mais absurda incompreensão, como se este vacilar diante disto, nada, rigorosamente nada mais fosse do que aceitar uma derrota de fragilidade pessoal. Há uma submissão a uma certa vitória dos outros em mim que sempre me trouxe o sabor amargo da cedência, uma sinistra glorificação de morte interior que me consome os dias, por vezes durante meses; um passear na escuridão a que me submeto com aquele rigor antropófago da mente que procura uma saída para uma evidência, não pela arrogância de quem se acha irredutível, mas antes pela chicotada de quem reconhece uma semente de esperança em si, mesmo sabendo-a rápida e ilusória.
Às vezes basta a pequena chispa de uma voz para desencadear as minhas tempestades. A vitória de quem acendeu este rastilho sobre quem se deixa adormecer na ilusão de que algo irá permanecer para sempre, é um caminho escorregadio e perigoso para a sanidade pessoal. É uma cedência do cinismo frio e analítico, demónios inconstantes, à descoberta da presença em mim de uma emoção que demasiadas vezes julgo desaparecida: o espanto que me submete a visão sem a possibilidade de distancia. Apenas uns poucos o conseguem com uma cadência embriagante. E quando nasce pela potência da surpresa, quando aparece no meu caminho sem aviso, quando consigo sentir aquele precioso estremecer de espanto repentino, tudo o que importa nesses precisos minutos é essa dádiva que me força a esquecer um passado em que decidi matar a minha última esperança.
( Fleuma )