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... Enquanto vai ventilando a sua raiva quase não consigo resistir ao impulso de cruzar os braços à volta do peito, como quem assiste ao desmoronar de um muro de convicções sonhadas sem mexer um músculo. Talvez sejam necessários para mim estes instantes finais de um fogo a extinguir-se nos olhos de outra pessoa. Não essa extinção que termina a existência - já a observei ruminando sobre a livre vontade de escolha e não senti qualquer desejo de cruzar os meus braços junto ao meu peito. É a chama que se apaga no brilho do olhar antes afogado naquele ardor de quem imaginava saber tudo. A fluência que abundava nos olhos e que transformava os juízos em simplificações para ocupação dos dias arrastados, essa coisa assimétrica a que o observador astuto assiste, esse brilho no olhar que se torna opaco quando descobre o erro tem a potência de um monólito a partir com estrondo. E afinal não somos templos vivos? E afinal os templos vivos também se extinguem na constrição destes raros instantes. 

... Talvez este extinguir de convicção no olhar até seja um reclinar meu para a necessidade de sobreviver mantendo a minha chama acessa, mesmo que este sintoma transpire arrogância e orgulho pessoal. Eu sei que mantenho este fogo. Sei porque antes ele não estava vivo. Sei porque antes não havia calor apenas aragem fria. 

... E de súbito, entre a raiva de quem sempre julgou conhecer os nossos passos ao pormenor e a surpresa de quem não sabe o seu caminho de regresso, somos perfeitos desconhecidos para outra criatura. 

(Fleuma)


4 comentários

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outradecoisanenhuma 19.04.2024

Eu percebo pouco de música, julgo que sabes. Sou das ciências por formação, e das letras por devoção. Podia viver sem música, mas não podia viver sem livros, sem letras, sem histórias escritas. Não é a música que me salva, são os livros. Mas até a música é um bom motivo para entrar aqui. Não me identifico com tudo o que ouves, mas tenho conhecido boa música pela tua mão. Não falo das histórias, seria repetitivo e maçador. O teu "pelasombra" é um dos meus refúgios.

Um beijo.
Fica bem.
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Fleuma 20.04.2024

Leio muito também. Mesmo que essa leitura nem sempre seja a mais "normal", sem qualquer ideia negativa em relação a esse "normal", mas é uma preferência.
A música para mim é respiração! Pura e simplesmente não consigo viver longe dela. Muito do que exponho são memórias do meu pai, do seu gosto pelo Blues e Paganini-eis o meu amor por Paganini. Lembro-me das tardes de Domingos e as longas horas de música no gira-discos...
Faço parte de um projecto musical e verdadeiramente creio que é a minha alma expressa. Muito mais obscura, negra e intensa. Deixo que fique distante deste local porque sei que deixaria uma visão opressiva e extrema, até incompreendida. É pessoal e íntimo, assustador porque é a minha verdadeira força de expressão.
Ler é um alimento. A música é viver e sobreviver.
Também consigo encontrar refúgio contigo, pelo menos alguma noção de abrigo nas palavras.
Um beijo.
Obrigado.
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outradecoisanenhuma 20.04.2024

Tão bom. Acabei de recuperar um desses velhos gira-discos… um pouco fanhoso, mas uma preciosa memória.

Acho que já tinha percebido que estavas ligado à música mais do que como mero ouvinte. Perguntava-me onde desencantarias tu algumas das bandas e músicas que deixas aqui, que nunca ouvi e que acabo por gostar e porcurar mais, como aquele Vígundr – Loddfáfnir: é muito bom.

E Paganini, claro. Talvez os “clássicos”, alguns clássicos me fizessem recuar, mas ouvi-los, para mim, é muito próximo de ler. Posso ler com ruído de fundo, distraída dele, mas não posso ler a ouvir música clássica. É estranho.

Percebo essa reserva, claro, também guardo muito de mim, para mim.

Obrigada eu, pela partilha.
Um beijo.
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Fleuma 21.04.2024

Obrigado pela tua companhia e principalmente, pelo teu regresso.

Um beijo e um forte abraço.

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