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Essa mera referência aos dias de um passado distante e atravessado pela memória é o reconhecimento de algo que falta, e nunca foi realmente preenchido no tempo. E a recusa em deixar que assente no esquecimento como se fosse criminosa essa tentação é apenas mais uma forma de testar limites. Creio eu.
Mas é confusa esta emoção, quase blasfema, de desejar ser desejado sem sentir que isso seja necessariamente errado. O peso de certos passados é bem mais pulsátil quando estamos sozinhos e não conseguimos explicar o que falta, tentar justificar - ao final destes anos todos - a preciosidade de ter estado presente e consciente de que não se repetiriam esses mundos feitos de instantes.
E é singular esta falta. É como um reconhecimento familiar de uma morada onde pertenci e era bem-vindo, onde a minha ausência foi sentida e agora tudo ficaria melhor. As tardes de Outono agora mais frescas e de luz cor de mel eram o que mais profundamente iria ficar cravado na minha existência e onde nunca me senti abandonado. O mundo era diferente, lembro-me - deixava arrastar as horas na rua que eu conhecia como ninguém, o cheiro das árvores, até o oscilar dos seus ramos estaladiços - e sempre, mas sempre tive a sinistra noção de que não seria para sempre, nos sons da casa e na suavidade da voz que acompanhava as canções. Um carinho e uma sensibilidade, a minha compreensão dessa força física e emocional, que vinha do coração mais profundo.
Por isso o meu coração ficou estilhaçado. O meu espírito desfeito e mutilado. Eu sei que não havia um regresso porque eu não quis.
Por isso me sinto grotesco e um sobrevivente.
(Fleuma)