Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]



Eu ...

Norte ...

(999)

Quando terá sido a última vez que um estranho, olhando para mim, não tenha permanecido com aquele sentimento que persiste após observar algo bizarro? Como se procurasse evitar-me e ao mesmo tempo, cedendo à tentação de ser polido e educado, tudo fizesse para disfarçar o indisfarçável. São uma grande maioria: das poucas pessoas com quem devo cruzar-me e conviver. Talvez assim sejam estes os momentos em que melhor consigo perceber a minha dificuldade em baixar defesas e desconstruir muros.

Porque motivo não me orgulho deste facto é um reflexo intensamente cristalino de uma realidade que aprendi, porque tem de ser vivida para ser aprendida, a sustentar, sabendo que me é impossível preencher as expectativas que parecem nascer a um ritmo obsceno nas pessoas que me observam pela primeira vez. Sistematicamente presentes.

Porque razão jamais cederei à tentação de acomodar em mim as dissipações mais básicas, onde temos, necessariamente, de padronizar o que somos para que outros aceitem um pingo da nossa integridade pessoal, está escrito em letras pessoais e escritas em sangue no meu próprio catecismo - não o farei porque me reconheço incapaz de ceder as minhas emoções a estas pessoas.

Porque não existem espaços amplos e soalheiros em suficiente quantidade em mim para desperdiçar com outros que não um número restrito de criaturas; porque sei das minhas limitações e incapacidade  de abrir os braços a toda a gente.

Sei deste egoísmo que me leva à tentação de apenas suportar aqueles que me olham com um brilho de reconhecimento nos olhos. 

Sei.

Porque me apaixono intensamente por poucos - os que me reconhecem nos momentos em que bailam nos olhos as melodias do crepúsculo mais sereno. E os que nunca deixaram de verdadeiramente amar-me quando brilham nos meus olhos as imprudências da minhas sombras e do meu cismar.

São estes poucos, tão poucos, que realmente me conhecem - despido e sem defesas.

São os que realmente valem o meu amor egoísta e apaixonado.

 

 


3 comentários

Sem imagem de perfil

naomedeemouvidos 29.03.2021

Por um motivo ou outro, num ou noutro momento, acabamos por ser reféns do nosso aspecto físico. Acho que pouquíssima gente (se alguém) será totalmente insensível à impressão de um primeiro olhar – ainda que o não estampe descaradamente (e desgraçadamente) no rosto. Seja ao "belo" seja ao "bizarro"; seja lá o que for cada uma dessas coisas. Mas também acho imbecil não sair daí. Não vou dizer aquela coisa tontice inútil, “a beleza vem de dentro”, ou lá o que é. Mas é um privilégio ser-se capaz de encontrar o resto; e gosto de pensar que, sim, sou felizmente capaz: esse “resto” é tudo o que realmente importa. Às vezes, o aparentemente belo não lhe resiste. Como, muitas vezes, não lhe resiste o aparentemente bizarro. Fatalidade por fatalidade, prefiro a última.

Desejo-te uma boa semana.

Obrigada pelo Augustin Hadelich.
Imagem de perfil

Fleuma 30.03.2021

Sabes que corro sempre o risco de soar arrogante ou presunçoso, principalmente quando assumo frontalmente o que sou. Creio que se torna necessária para muita gente a tendência para temer o amor próprio como se isso fosse um tumor que devemos evitar.

Para mim, que sempre me bati com demónios muito pessoais, digo-te sem qualquer sinal de dramatismo ou tragédia, tornou-se primordial subsistir dependendo de orgulho e muita, muita raiva. Tanta que não fazes ideia, não apenas contra os outros. Também porque se tornou essencial para a minha sobrevivência - umas vezes ensinada outras alimentada por mim.

O meu corpo ficou diferente do que era porque forcei a sua transformação. Sei que pelo seu tamanho muscular, pelas muitas tatuagens que o cobrem, raramente suscita suspiros de admiração dos "artistas da estética", mas a arte que o cobre em extensas partes não é para agradar ninguém. São recordações, avisos e principalmente, motivação para não repetir erros passados. O seu tamanho é uma vitória sobre a minha fragilidade.

Quando quero desistir, basta despir-me e olhar-me ao espelho. Depressa sobrevivo.

Mas tens razão. Creio que é "dentro" de nós que realmente tudo, mesmo tudo se consome. É o que sou continuo a tentar descobrir. Sei que irei morrer sem realmente entender : umas vezes bizarro, outras estranho. Mas não creio que seja belo, porque não o procuro.

Tenho um amor imoderado por Paganini, talvez só superado por Bach, e Hadelich é um violinista exímio a executar a obra de um dos mais complexos e dificeis criadores.

Fica bem.
Sem imagem de perfil

naomedeemouvidos 30.03.2021

De onde te vejo, não encaixas em nenhuma dessas definições-padrão (coisa que, imagino, te incomode pouco ou nada), embora possa ser muito ténue a linha que distingue o "belo" do "bizarro", só por insistir neste dois. E suspiros de admiração podem ser bastantes peganhentos. Dispensam-se quase sempre. Os suspiros. A admiração é outra coisa, mais preciosa. Do orgulho, acho que já te falei. Uma ou duas vezes.


Bach. Definitivamente.

Fica bem também.

Comentar post







topo | Blogs

Layout - Gaffe