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A insónia, quando se esquece de si própria, deixa cair pequenas migalhas que se convertem em fortuna ...
Consigo deitar-me no centro da cama fresca. Como um náufrago entre as margens da rebentação das ondas e a salvação da terra firme, forçar a minha imobilidade, virado para o tecto de braços e pernas abertas e esticadas; a respiração acaba por serenar e converter-se numa suave aragem; os batimentos cardíacos batem, ainda pesados, ao ritmo do cansaço extremo.
Quando a insónia se esquece, talvez finalmente convencida que não conseguirei resistir a uma consciência forçada, o quarto cerrado de escuridão, sem uma nesga de luz, onde apenas escuto o meu próprio respirar, cresce sem limites. Creio que este estado me aproxima perigosamente de uma semi-morte, quando os músculos se apresentam dolorosamente reais, e os olhos recusam a tarefa de ver, ficarem vigilantes.
Não conseguir afastar este torpor final consegue apenas ser descrito por aqueles que conhecem intimamente a tirania da insónia e as suas parcas migalhas. Alimento que não chega para sustento dos bons sonhos porque o que eu desejo é um sono tão profundo que qualquer réstia de sonhar, divagar ou recordar se esfume num vazio de esquecimento.
Talvez esta seja uma forma de saber morrer em cada momento que consigo adormecer profundamente, longe das garras da insónia. Talvez sejam necessárias as correntes do cansaço mais debilitante para que permaneça preso a uma cama, com a fadiga a esvair-se, deixando-me penosamente frágil na penumbra; sabendo que, por horas, morrerei para o mundo, vagueando na escuridão inconsciente. Talvez por isso tenha deixado de a temer, abraçando-a muitas vezes - a essa escuridão.
E se for realmente banhado nessa fortuna, consigo ainda ouvir um outro respirar distante.
E antes de partir até consigo sentir o conforto do cetim de um último toque e palavra - quase imperceptíveis.