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Alguns afirmam que a loucura aparece sem se anunciar. Que prefere aparecer em passos mansos e aveludados. Que essa loucura não é bem-vinda. Mas e quando se afirma em lapsos da razão? Em plena consciência e aceitação de que se está a ficar louco e a transformar em algo excessivamente racional? Quando essa loucura se consuma em constatações implacáveis e verdadeiras. Friamente reais.
Os sessenta e sete anos, feitos com a absurda noticia, foram um saudar sereno com a verdade. Sim, sereno. Como um despertar de sentidos escondidos, o terceiro olho da consciência, que já o sabia. Previsto. E por isso, o tremor é sempre interno. A convulsão é no universo interior. Por fora fica a falsa força e um intenso dilatar de maxilares. Enquanto os olhos se fecham.
A decisão de olhar erguido a constatação de terminalidade é uma decisão pessoal e que para muitos outros se pode revestir de loucura. Porque é suposto lutar até ao fim. Sem rendição. Como se um juízo terminal pudesse ser alterado por deus ou diabo. Como se a futilidade de um combate não fosse decisão sua. Apenas e só sua.
Aos sessenta e sete anos decidir terminar com dignidade uma vivência cujos poucos meses que restavam seriam um mergulho na agonia é uma loucura. Que se saiba. Mas é também a maior vitória perante um colosso que se aproxima a passos largos e sem piedade. A decisão pessoal do homem é a única e verdadeira atitude de possessão e razão. A sua vida era apenas sua. Sagrada e pessoal. Só sua. Nenhum estado ou governo, doutrina ou fé, lei ou razão consegue ser superior a isto. Uma verdadeira gargalhada perante todas as suposições. Um triunfante mostrar do dedo do meio ante a própria morte!
A grande ironia ou perfeita fórmula ancestral, infinitamente procurada e caçada, pode muito bem ser esta e que aqui sempre esteve. Só temos e possuímos realmente como nosso esta possibilidade e qualidade. A decisão de viver é sempre nossa. Neste patamar escuro e intimo nada nem ninguém comanda. Nem deuses nem amantes. É uma estrita pedra filosofal e principalmente o maior e soberanamente único ato de liberdade pessoal. Nada mais representa esta liberdade. Decidir quando termina e porquê.
Os sessenta e sete anos feitos e comemorados como se numa dança noturna de um qualquer cálido verão. Mesmo sabendo da terminalidade irreversível é uma prova cristalina de paridade com a vida. A constatação de comando diante do fim é o solucionar de uma alquimia eterna. Não é cobardia evitar a agonia indesmentível. É um sincero e vitorioso "Vai-te foder!".