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Sob uma permissa de entrega e devoção chegam as desilusões. Chega aquele momento especial, um pequeno reflexo da nossa beleza e de uma terrivel dependência de algo. Não apresento pretextos para agir assim, indelicado e com muito ódio por pouca coisa.
Assim, debaixo da minha fragilidade - em muitos anos desgastada por minha vontade, por força imposta e assumida - tudo o que me resta é rejeitar a resignação. Porque faz parte de mim, porque faz parte de tão poucos. A incapacidade de acomodar e agradar ao mesmo tempo.
Um estúpido gesto, vindo de um estúpido homem. Depois, outra estúpida criatura volta as costas. De cabeça baixa, semblante carregado, agudiza a culpa e a raiva. Adeus respeito mútuo. Olá, ganas de esfrangalhar anos a fio de convivência. De confissões e intimidade.
Porque agora usa-se mais disto, o ponto assente: um estúpido incompetente, incapaz de gerir a vida pessoal torna a vida de outra pessoa numa merda de inferno! Mas quem a conhece sabe, ela responde e manda-o foder-se! com todas as letras. Um é atrozmente dependente do outro. E no entanto, só descansam quando se esgotam na tentativa de consumo. De um e do outro.
Noutras ocasiões, acharia esta inutilidade tão graciosa como uma ópera-bufa. Pois, mas agora estou apenas a ver onde posso recolher os cacos desta estupidez. Ou se calhar, matar um dos estúpidos para ter sossego...
Testemunho vital de vida é o sangue. Não pretendo explicar porque me fixo no sangue. Porque me fascina essa cor púrpura. É vida, dizem. Uma redundância, para mim. É muito mais do que isso. Não seria por acaso que os antigos guerreiros bebiam o sangue fervido dos seus inimigos. Talvez venha daí o desejo vampiro. Talvez seja isso. Beber sangue, ter vida.
Para mim é diferente. O sangue é a mais pura e verdadeira aproximação à vida e à morte. Um mero fio deste líquido pastoso, que escorra por tempo em demasia, condena a uma morte lenta e dolorosa. Ou então, um fio desta nata viva entrando no corpo, pode salvar uma existência.
Vejo-o muitas vezes como dôr. Bem-vinda. Um pouco à imagem de uma tatuagem. Já vou na quarta marcação física, acabadinha de terminar. Por entre o véu de transpiração e dôr, fascina-me o tom tinto do meu sangue. E depois de limpo com um pano húmido, a revelação da obra esculpida na minha carne transforma-me no que realmente quero ser.
Cada marca é uma recordação, para mim. Não se trata de uma moda ou mera tolice infantil. É parte de mim. Sou assim. Eu. Não brutalizo a minha carne apenas por que quero parecer cool. O sangue que escorreu durante esta obra de arte vai ficar como recordação de algo mais profundo e marcante. Ainda mais nítido do que as marcas que sulcam os meu braços.
E, coisa estranha e quase transcendental, ao ver-me completamente nú ao espelho, quando me virei de costas e abri os braços para me ver, sem remorsos ou obstáculos, senti que sou capaz de conquistar o mundo! Que afinal não sou tão grotesco como penso.
vê,
como fácil é, tornar esta existência num estranho patíbulo de dor
onde,
cada gota de sangue se esvai, em promíscua adoração
uma raíz,
que sufoca, retraí e alimenta
porque,
já não poderia viver, mas resiste
maldita!
aqui,
mora a minha avidez, árida fronteira
no chão,
um habitar sem paz, impulsivo monstro
a sul,
fala-se do paraíso,
por aqui,
o sangue perde-se, frio
eu oiço-te,
estranho bater de asas, aos ouvidos agarrado
confrontar,
seguir por caminhos de remorso,
num,
estranho incesto de glória e desilusão.
Rejubilar por mais um dia a respirar. Até quando? Sentir que o que nunca me interessou, assim se mantém. Por minha teimosia. E por minhas penas. Rejubilar e regurgitar fel. Nunca esquecer do que sou feito. Infelizmente. Imperfeito. Incapaz de me render ás pessoas. Sem vontade de ver o que passa aos meus olhos e não me sentir amargurado. O Nada. Falo e falo. Deste Nada. Mas já me perguntaram: se este "Nada" é real. Se será possivel assumir uma visão tão terrivel e não destruir os miolos. Para mim, este Nada será mais um estado intelectual, do que uma realidade. Um estado mental de procura. Tentar ver verdades. Não esperar por nada. Claro que se limitam os que entram no nosso mundo. Não por arrogância. Não por superior complexo. Mas porque são poucos os que me compreendem. Todos os dias confirmo isso. Todos os dias!
O reflexo desta visão, trascende-me
na minha visão, diga-se
vejo quem se aproxima, quem realmente
me quer, estranha lógica
bizarra noção, sempre presente
sempre escravizante
Por estes caminhos, longas escarpas
o pensamento é ar, não é desse mundo
respira e absorve, estranhamente tranquilo
porque não se esvaí nas palavras
torna-se absoluto, dementemente
absoluto, puro
finalmente!
Todas estas coisas se apoderam de mim,
nem que seja neste reflexo matinal,
na inglória vitória, na certeza de algo,
de que sempre tive razão,
de que nos podemos converter em vil noção
para os que nunca respiram este ar, porque morrerão
Se fosse máquina, libertando esta raiva e este sentimento
de não pertença, só teriam de me desligar, só isso
mas nada disso acontece, assim seria melhor?
para quem? se fosse máquina o respeito nunca se tornaria
ódio, nunca seria viscoso, podre
pouco importa, não sou máquina.
O meu movimento não precisa de outra coisa
que não seja a minha força,
mas aceito a força de quem se aproxima, respira
em mim, verdadeira poção de razão
abrindo-me os pulmões, nem que seja à força.
Verter tamanha vontade de esperar por alguém, aguentar a façanha de manter acesa uma chama que por natureza se deveria extinguir, é um dos grandes mistérios da raça humana. Fascina-me. Essa brutal noção de esperar por outra pessoa. Que nos voltou as costas. Partiu. Esfumou-se. E alguém fica. Permanece. Escuta. Em espera. Quando testemunho isso, também porque já senti o mesmo e sei desse calvário, tudo o que sinto é profunda admiração. Admiro poucas pessoas, diga-se. Por que são fúteis. Porque gostam de beijar e desejar força. Onde ela muitas vezes se esvaíu. Porque assistem de pé. A esta espera. A esta entrega. Não eu. A minha admiração vai para essa capacidade de esperar. E desejar que tudo seja como antes. Contra o facto natural. Contra a racionalidade feroz da perda. Indo de encontro ao conceito de Verdade pura. Essas criaturas que esperam em vão, muitas vezes, são resistentes. As que genuínamente se tornam de aço com as perdas. Por isso deveriam ser preservadas. Porque estão àparte. A sofrer uma colossal perda. E eu nunca desejo que melhorem. Nunca espero mandar beijos e flores. Nunca profiro palavras de incentivo. Porque não sei. Porque ser humano e imperfeito é isto. Não choro. Mas o que sinto é opressão. Se calhar verdadeira solidariedade humana. É um baixar de braços de quem escuta. Nesta minha acção também existe conhecimento. Sei porque o faço. E nesse conhecimento existe a certeza absoluta de que quem espera, mesmo vergado pelo desgosto e desilusão, se conseguir prosseguir, tornar-se-a mais forte. Mais virtuoso.
Quem se rende permanece em ignorância e fraqueza. Ignorância de reconhecer a inutilidade de se manter em espera.
Ultimamente, observo, nada parece ser o que era. Antes. Dou comigo a vasculhar memórias passadas. Reconditas e supostamente apagadas.
Mas como me diz ainda hoje, uma certa pessoa, "a mente é uma coisa maravilhosa de se saborear!" Nada se esquece. Realmente. Nem sequer procuro explicação para nada. Guardo essa procura para coisas mais urgentes. Porque recordar nunca me pareceu realmente urgente. Sejam recordações boas ou más.
Mas ultimamente, é quase permanente este estado. De taxativa reflexão. Quase uma introspecção. Quase um desnudar mental. Pode tornar-se perigoso. E nos últimos dias, testemunhei isso. Pela dualidade do meu juízo. Ou seja, por um lado tudo parece fora do lugar. Algo parece ter enlouquecido e pura e simplesmente saiu do seu lugar. Um local fora da sua ordem. Que não deveria acontecer. E por outro lado, bizarramente, tudo parece encaixar. Tudo parece conferir-me uma estranha pacificação. Uma estranha harmonia mental. Algum estado de verdadeira comunhão comigo próprio. Não me antecipo a nada. Não espero nada de ninguém: apenas me sento e tento fluir. Comigo próprio. Não há, de facto, tempestade que não traga bonança. Nem fome que não dê fartura! Por cada golpe e cada vergastada que recebo, tantas vezes auto infligido, posso também "limpar" a minha mente. Posso sentir o que é possivel fazer. Com a nossa mente. No fundo, a minha razão. A minha verduga, mas também a minha única e verdadeira consolação.
Disseram-me de forma genuína, verdadeira (pelo menos no meu ponto de vista), que o meu maior defeito era não confiar mais nos outros. Como explicava eu que olhasse um Lobo, um Gato, um qualquer animal, e me sentisse deles mais aproximado. Os "outros" a que se referia, seriam os da minha espécie.
Devo dizer que confio. Num pequeno número. Reduzido. Caberiam numa só mão. O resto pode simplesmente viver a sua vida longe de mim. Também me chamam Misantropo. Algo que não sou. Odeio a raça humana em geral. Digo-o sem delicadeza. E não me importo que pensem que só o digo, para que me achem negro de natureza. Atrofiado mental. Pseudo depressivo. Pouco me importa. De verdade. Desde muito cedo que aprendi, forjando uma mentalidade em anos de desilusão, que em última instância, estou só. Muitas vezes decidir por mim, só, torna-se uma tarefa abissal. Mas fi-lo muitas vezes. E continuo a faze-lo. Mas ser misantropo, seria em final, terminar com a minha própria vida. Não o farei. Embora já me tenha dado vontade. Apenas não o farei. Porque ainda há quem de mim precise. Que não eu. Mesmo considerando a vontade própria de pôr fim à nossa vida, será o único e verdadeiro acto pessoal, onde nada, mesmo nada pode interferir, sejam crenças, sejam regras governamentais, sejam amores, amantes... Tudo! É a mais profunda e mais pura liberdade individual. Algo que grupos, religiões, sociedades, raios(!) o mundo, sempre tentaram subverter, anular. Porque somos apenas nós. Únicos a decidir. Isto é realmente impensável para a maioria. Não porque reprovem o acto em si. Mas porque não o podem controlar. E acaba por ser sempre isto. Não é? Controlar. Tal como confiar. Podemos ser obrigados a confiar. Por circunstâncias diversas. Ser forçados a confiar. E se fizermos muita força. Se desejarmos muito confiar, teremos muitos amigos! Teremos muito empenho. Seremos confiantes. Nos outros. E em nós próprios? Quase sempre, deixamos que outros decidam se somos confiantes. Em nós próprios.
E se da confiança cega nos outros, algumas vezes colhemos frutos doces e nutritivos à nossa reles e maquinal vida, na maior parte das vezes, os frutos colhidos são podres. Amargos e amargam a nossa pessoa. Esperamos tanto da confiança que damos! E recebemos tão pouco. Porque continamos a ser assim? E continuar a lavrar num erro existencial? Tranformar a nossa mente em cacos. Por sistemático defraude da nossa entrega. Raramente correspondida.