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E essa é maior das falhas, não é ? Essa incapacidade de lidar com certas bestas cuja transformação parece colocar a sombra do descrédito em tudo, absolutamente tudo em que assentavam crenças e suposições. Algures, enquanto ainda persistiam caminhos conhecidos, previsíveis, ao menos, era bem mais certa a ideia de dependência em todos os momentos, que a mim sempre se colaram a algo eterno e desprezível.

 

Sempre me foram estranhas certas palavras. Principalmente soletradas por bocas ineficazes. Bizarramente, nunca me deixei vaporizar pelo optimismo que procria na palavra motivar. A ideia de motivação nunca foi emissária da minha transformação ou sonhos. Reflicto friamente: odeio a palavra motivação!

 

Tudo o que persigo e consigo alcançar é um processo de agonia e principalmente obrigação. Não necessito de rigorosamente nada que se assuma como motivação para sair da cama, mesmo que sistematicamente a um pequeno passo da falta de descanso, e continuar a insistir; não me interessam canções ou grandes discursos. Forço-me a avançar porque estou convencido da necessidade de romper por todos os meios. Não preciso de ser motivado.

 

É uma falta grave a incapacidade de olhar certas bestas em ângulos certos. Uma falha matemática critica que não consegue reconhecer a densidade do parâmetro de certas criaturas. E creio piamente que certas falhas não deveriam ser pensadas como naturais ou perdoáveis. São erros trágicos que apenas demonstram graus de evolução.

 

"Monstro" é um reflexo intuitivo, inevitavelmente espelhado em certas expressões. Mesmo que não sejam proferidas palavras. Avaliar pela estrutura física é todo um mundo para certas criaturas. Na mentalidade de cerco em que subsistem, contactar com alguém desproporcionalmente maior instiga os complexos de fuga e inferioridade, mergulhados num raquítico mal estar e incapacidade de discernir muito mais longe do que a mera massa muscular.

 

A constatação não me retira o sono. Não, numa realidade cada vez mais assente no que se aparenta. Nem sequer a admoestação sempre tão benévola das senhoras e senhores que gravitam na ideia do tamanho e a falta de inteligência. Em tranquila paz, celebrando a ignorância cultivada pela covardia de sair do conforto mesquinho dos seus dias.

 

A quem me conhece, entre as palavras e gestos tintos obscuros, guardo a carícia das minhas mãos. A surpresa de um toque que de rude se transforma em seda; porque é imenso o medo de magoar quem expõe de maneira tão frágil e verdadeira o corpo. Foram necessários anos para controlar o ansiar físico, aceitar a sua falta de receio e as destemidas certezas, onde a gentileza é tantas vezes a luz que invade a força.

 

São os dedos longos e delicados que muitas vezes me traçam o rosto para que esqueça a rugosidade da expressão. Mesmo que apenas por segundos. Uma luz vertida sobre a desproporção, por quem sossega na minha sombra sem medos. Consciente da sua própria força e natureza.

" Ordo Ab Chao"

 

 

 Existem três paixões em mim que, com toda a certeza, nunca se irão diluir no tempo. São marcas inexplicáveis e que por razões que são tão pessoais como obscuras, o sentimento de possessão em relação a elas me consome os dias.

 

Reconheço-me como um homem de poucas paixões; mas as poucas que tenho são levadas a extremos muitas vezes apenas compreendidos por uns poucos. Creio que isto não tem trazido muitos amigos solidários e carinhosamente compreensivos a estas bandas, mas receio ser um preço a pagar. Pago e sem dívida.

 

 O mergulho foi a primeira voz de alerta. As possibilidades de liberdade expressas abaixo da superfície; o silêncio - porque o oceano consegue silenciar-se e escutar a nossa voz - de um sacramento que me aproxima do sentimento assustador da escuridão do ventre materno.

 

A música é a minha respiração. Vida. Objectivo onde tenho conseguido exprimir pensamentos e caminhos. Nada de perfeitamente essencial para outros; apenas um destino que abracei e me levará a distâncias que já são a justificação para os sacrifícios e punição.

 

O levantamento de pesos será a amante pragmática e silenciosa na minha devoção. O sentido estético de belo, gracioso, sublime e equilibrado dos sonhadores gregos, nunca se reflectiu em mim. Pela forma como muitas vezes eu sou visto em presença física, diria que a palavra "feio" me está muitas vezes destinada.

 

Nunca foi o sentido de beleza que me guiou a frequentar uma masmorra fria e insensível aos meus limites. No meio do suor e do ferro pesado, tantas vezes olhado com o desdém desalinhado da turba que o considera apenas excessivo e narcisista, a estética nunca foi procurada. Tem sido um resultado, mesmo que desagradando.

 

Nasci fraco e frágil. Uma criatura nascida para se arrastar e apoiar nas fragilidades que outros lamentavam. O que sou hoje, sistematicamente em construção densa e blindada, tem sido um inferno; como acabam por ser todas as paixões, afinal. A necessidade vital de aumentar a massa muscular para combater tecidos fracos e a paixão pelos alimentos que lutam contra a minha falta de peso, sempre a espreitar de maneira sinistra, reconheço-as como tirania para a vida.

 

Esta é uma paixão que não carece da aprovação dos bardos da beleza clássica de outrora. Reconheço a falta dos suspiros suaves e tímidos de quem se ruboriza com a estética angelical da massa polida e trabalhada finamente. No entanto, o meu orgulho pela obra que vou construindo pacientemente é apenas limitado pela minha potência diante da fragilidade.

 

Para mim basta e é claro como a água; sou o meu próprio arquétipo. Nunca deixarei de crer que o meu corpo seja a imagem física da minha mente. Pouco importam os outros. Nem que morra a tentar.

 

 

 

Penso que o conceito de luz no escuro também se pode aplicar a mim. Uma forma rara de dissonância que surge entre os farrapos habituais e que desafia a minha lógica mais enraizada. São as notas de um piano a destoar entre os ritmos pesados e a atmosfera cinzenta. É a rajada de vento quente que quebra a neblina fria do norte. Tão doce como a nata da fruta mais madura saboreada em dias de sede e esquecimento.

 

Tento que este traço de luz fique escondido, entre a saudade e a memória que me irá fazer companhia nos dias que me restam. Não o esqueço porque se torna inevitável que regresse ao lugar onde resta uma ínfima réstia de felicidade real. 

 

A estranha capacidade de iluminar velhos pecadores é uma reserva rara. Preciosa até ao último pulsar. Senti-la é como rescrever todas as notas julgadas definitivas, de mão trémula e inquieta. Para mim é dolorosa esta piedade inconsciente, porque me canso de tantos passos dados sem as mãos levantadas. Como um cego. Afastando-me do meu conforto entre muros e janelas fechadas ao sol.

 

Talvez seja urgente aprimorar a chave que roda o ferrolho do cofre que esconde esta luz. Diminuto fragmento de tempo que é minha obsessão guardar. Egoísta e nunca saciado.




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