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As pessoas são como fontes. A maioria, grande maioria, pinga apenas liquido azedo e inútil. E o viajante experimentado sabe que não conseguirá saciar a sede nestes fontanários envelhecidos por anos de incapacidade. São fontes antigas e consumidas pelo pensamento arrependido do que poderiam ter feito e nunca fizeram; é possível a quem realmente caminha em viagem escutar os seus pensamentos transformados em mágoas liquidas de escolhas infelizes em nome dos outros. Escutar. Perante o fim que se aproxima esfregando as mãos rugosas e frias. Entender como inútil foi a sua existência.
E existem pessoas que são labirintos para mim. Eu sempre procurei labirintos estreitos, quase escarpas. Conheço criaturas que são labirintos a desembocar em um nada branco; paredes alvas de absurdo nulo pingando becos sem saída. Conheço.
E sei de outros labirintos estreitos que vão desaguar em fontes que jorram pedaços portentosos de uma estranha alquimia. Aqui o viajante cansado pode repousar em paz e beber até ficar alucinado. São fontes que calam a voz dos cínicos e descrentes a tragos generosos.
Conheço um rei destes labirintos que terminam em fontanários cristalinos. Nos gestos toldados pela paralisia cerebral um reino de corredores estreitos e ameaçadores. Mas no pensamento subtil e engenhoso toda uma arte de fuga e superação, própria aos que não se escondem nos lamentos da má sorte. Pertença das criaturas de mito.
Eu não sinto qualquer acesso de piedade por ele. Antes uma maldita humildade e cumplicidade. Nos dez longos minutos que decorrem para apertar o cinto no buraco certo; na recusa em ser ajudado nas mais pequenas tarefas que eu e toda uma raça de criaturas, executa inconsciente, existe uma teimosia orgulhosa que apenas, mas mesmo apenas, irradia na periferia de certos recantos da alma.
Encontro nele algo raro que me obriga a levantar os olhos do abismo: justificação! Motivo para outros dias.
Que a grandiosa mãe natureza, essa incoerente e débil mutante, lhe tenha roubado a virtude da fala coordenada sem a necessidade de um esforço desumano para exprimir um verbo, que os seus olhos castanhos só a esforço consigam alinhar-se e os movimentos do seu corpo sejam muitas vezes os de uma marioneta caótica, este rei do labirinto responde com um sistemático sorriso gigantesco; batalhando todos os dias para se fortalecer e coordenar como uma bofetada de revolta.
Genuinamente se silenciam outros lamentos ou desilusões. Quando soa a gargalhada de triunfo pela vitória de mais um peso erguido do chão.
Com a força de quem luta para se endireitar e permanecer erecto.
Como assim deve ser num rei orgulhoso.
E eu? Eu vejo-o. E amo os labirintos.
" A sério! ....
Qual é a vossa desculpa?! ..."
Quanto mais observo e escuto o que se passa à minha volta, mais me convenço ser verdade algo que há poucas semanas me foi dito cara a cara, olhos nos olhos - tu se calhar, estás mais próximo da verdadeira liberdade do que qualquer outra pessoa que conheça.
Sempre pensei exactamente o contrário. Sempre achei que era muito mais prisioneiro de paixões e sonhos do que própriamente em liberdade para o que fosse. Nada se consegue comparar quando nos colocam na posição de secundário em relação a animais de estimação, porque somos incapazes de, mesmo que por segundos, agir ou reagir como pretendem que assim seja.
Mas, se calhar em alguma volta mais escarpada, perdi a noção dessa liberdade. E para isso, se calhar alguém será necessário para me alertar deste facto. Talvez eu seja realmente livre; não totalmente, porque essa canção de absoluta libertação só pela morte chega. Mas o mais livre possivel. E porque não? Se desde muito cedo deixei de acreditar em profetas ou em livros de profecias. Pode ser que a libertação seja o meu ardor por ganhar dinheiro e gasta-lo em expêriências, como nadar junto aos golfinhos, olhar o lobo mais negro que possa imaginar nos olhos e sentir-lhe o arfar quente no rosto.
Creio que a liberdade pessoal é algo bem mais precisoso do que muitos imaginam. Dói e faz sofrer, tanto fisica como mentalmente. Raramente é aceite e muito menos compreendido pelos que me rodeiam. Vive-se com uma extrema intensidade. Essa intensidade assusta os que não aceitam, mas para mim é viciante. É poder dizer que eu não sou apenas uma parte do todo. Que é verdade, só eu próprio me posso libertar.
"Que existe uma estranha forma de magia no toque dos teus lábios ...
No entanto faz-me sofrer. Deveria consolar-me, tal é a forma como esse beijo sonda a minha alma. Mas apenas estilhaça em mil partículas o que deveria permanecer quente e afectuoso.
Quando os teus dedos viajam pela minha face, muito para além de um sereno arrepio, fica a saudade. Fica a falta de algo. O vazio que ecoa. E a vontade de tomar de assalto a tua beleza.
Não chega. Preciso de muito mais.
E por suprema e maquiavélica ironia, só tu podes concedê-lo."
"Hoje, a noite foi de esquecimento. Talvez pelo turbilhão do teu corpo. Se calhar pelo sussurro da tua voz. Perdi-me. E a ponto de não querer voltar a encontrar-me.
Quis que assim fosse. Banhado pela radiância da tua estranha mistura. Afinal, também tenho o direito a sonhar.
O brilho dos teus olhos na escuridão tosca? Umas das minhas verdades absolutas! Por muito náufrago que me sinta: uma das minhas verdades absolutas."
"Por cada rasgão e por cada pinga de sangue que me pertencem, de ti recebo o profano bálsamo de sôfrega cura. Se a minha voz se propaga segura e orgulhosa é apenas porque tu há muito construíste as escarpas por onde ecoa.
Por mim, o inverno seria eterno e o céu estaria para sempre coberto de esuridão, apenas porque tu me relembras todos os dias como é vital o calor e a luz do sol."
"O espírito é o grande favorecido com as derrotas da carne. Enriquece-se à sua custa, saqueia, regozija-se com as suas misérias; vive do banditismo. A civilização deve o seu êxito às proezas de um bandido."
Encontro pacificação num olhar.
Interrogo-me, vezes sem conta, como pode isto ser possivel? Apenas com um olhar, consegue deixar-me sereno. Sem pinga de ódio.
Pode uma mulher, de aparência frágil e suave, reter em si tamanha capacidade de vontade e serenidade? Perguntas. Nada mais. Também, não preciso de respostas. Estão sempre à minha frente. Nos seus olhos. Nas suas mãos.
Os poetas, esses tolos românticos, chamam-lhe amor. Eu chamo-lhe paixão. Acordo de sonhos, tantas vezes cruéis, e ela lá está, à minha frente: pernas cruzadas, uma camisa tão larga - gosta de vestir o que é meu, diz-me - a cobrir-lhe o corpo que desejo, sempre. Muito. Olha-me, atenta. Para mim, é o que de mais próximo está de algo divino. E quando ilumina a face com aquele sorriso, a força que despeja sobre mim é tal, que quase duvido se estarei acordado. Tudo, muitas vezes, sem uma palavra. Não é isto paixão?
Que posso fazer, para demonstrar que ela é a mulher que realmente me completa? Eu, que me golpeio para me sentir humano? O que qualquer reles criatura como eu deve fazer perante algo inevitável: deito abaixo todas as defesas e entregou-me, sem condições.
Por apenas uma vez, sonho. Sonhei. Que tudo o eu dizia fazia sentido. Onde existiam dúvidas e pressentimentos, se revelavam verdades.
Sonhei. Que na minha voz, podias ouvir a minha canção de guerra. Por breves verbos, poderia ser ouvido. E onde habitava, uma meia luz inundava a escuridão.
No meu mundo, ténue de equilíbrio, caminhavas sem receio. Sem terror, sem loucura. Para além deste vácuo infermo. Eu estava sóbrio. Eu não sentia angústia. Conseguia dormitar. Num chão rachado. Frio. Invernal e, mesmo assim, amigo.
As lágrimas que afogavam o meu rosto, eram afinal, de cristalina certeza. A certeza da chegada. Onde? Não me importava. Apenas que chegara.
Poder, finalmente olhar cá de cima. Sangrando do pés, caminhante, podia sentir-me apenas humano.
Um sonho, onde rejeição era carinho. Sonhos. Onde a minha paixão se desvanecia, nos teus lábios.
E todos eles voltam a face,
Quando passas, ao largo
Porque acreditam que a tua vida
Não tem sentido!
Se não tem sentido,
Então porque vives?
Porque não morrer, já?
Pôr um fim a essa calamidade.
Numa cápsula, a tua versão,
De uma vida vida opaca, aversa
Num hospital, a nova esperança
De ser aceite. Algum dia ...
No branco da luz, da sala
O ódio à alvura dos dias,
Apenas a escuridão é bem recebida,
Em vida sem sentido. Sem regresso.
Dar-te a mão. Erguer-te.
Num mero sorriso, a felicidade de outrora
Antes de se esfumar em lágrimas,
Esmagadas por um suave soluçar.
Pressentes a tempestade?
Será que nunca mais pára?
Porque o esforço é por demais cruel,
Nessa vida, sem sentido.
Quase terminaste com a vida,
No abismo que conhecemos, já
Nas lembranças que te feriram,
Nos golpes que recebemos, nas desilusões
E pelas minhas palavras, lidas
Tão distantes, tu encontraste vigor?
Pudeste olhar, de novo
Além da escuridão
Porque sei do fardo que carregas,
Onde por mim te podes apoiar
Por isso cruel, nas minhas palavras
Viste... Luz!?
Como? Como é possivel,
Que neste meu recanto obsceno
Que povoo com profundo desespero
Tu, alma mortal, te tenhas abrigado?
E se isso te fez respirar
Voltar a ver, sentir
Que morremos pelos mesmos cortes
Nas cordas estamos, e resistimos
Que tão distante estás, Continentes
Tu me tenhas farejado, grotesco e em abandono
Perguntes, peças
Me amarres a este poço insalúbre
Deveria odiar-te
Por este peso, essa tua salvação
Nas minhas letras encontrares reflexo
E que te ajudam a viver,
Mais um dia...