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Não consigo perceber a razão de tanta dúvida. Porque razão não se abrem portas escancaradas à transformação. Ao rompimento de perguntas que apenas reservam em si a simplicidade de algo, aqui sim, imutável: a mudança existe! Até à morte. Simples e tirânico. Verdadeiro. Irritantemente imutável.
Desejava saborear certos risos e fervilho de nostalgia porque sinto a velhice de séculos na mente. E em cada palavra ou gesto que me acusa e questiona - em que te tornaste? Não existe uma resposta que não inverta a questão: será antes em que é que me torno?
Lembro-me hoje, bem como todos os dias antes e para o resto dos que me observam, daquelas janelas sempre abertas para "deixar o sol poisar". Não o sabias, claro. Mas aceitei essa ponte para muito mais. Transformação sem prisão. Provar do mel doce da entrega, entre bagos de generosidade preciosa e absorver a criatura negra do ódio tão real e indomável que droga e embala em notas desafinadas para tantos! E tão sóbrias e claras em mim.
É estranha a palavra na tua boca - amo-te! Como? Aceitas o que sou? No que me transformo. Nunca melhor do que tu? E recusar o caminho mais fácil?
Questões. Mais do que respostas.
Não olhar para trás.
Os que seguem o caminho da constrição não nasceram para seguir em massa. Não cresceram para depender da grande maioria que se movimenta em círculos para onde todos o caminhos vão dar ao mesmo local. O caminho da constrição é sabedoria e luz que ilumina os dias que passam e afaga as noites escuras.
Os caminhos da constrição criam os órfãos de deus. Quando a solidão permanece, sem santos e preces ao vento que passa, só fica a certeza do que é a escuridão.
Aos que seguem a escarpa da constrição não importa a gazela morta. Antes interessa a perseguição. O resultado final não dá sequer um laivo de grandeza. E quando a face é oferecida em nome de uma bofetada é para que nasça a vontade de retribuição. Para que se aprenda que nada sobrevive em nome da uma falsa pacificação a que inutilmente se tem chamado perdão. Que se note e assente a realidade. Hoje os outros amanhã eu!
Dizem, os que temem a noite e os seus prazeres de rameira, que somos todos iguais. As criaturas que habitam este miserável planeta nasceram com os mesmos olhos para viver. Como pode isto ser possível? Se em cada dia, em cada ruína eu só vejo que nenhum profeta está vivo. Que não é verdade. Apenas os mais fortes sobrevivem testando a natureza. Tudo o resto já se rendeu.
A pergunta foi feita a uma pequena criança quase em surdina. Mesmo entre tantas outras pessoas, consegui ouvir a resposta dada à mãe pela criança e futura mulher,
" Bárbaro!"
A mãe sorriu ainda em surdina. Um pouco embaraçada pela resposta pronta da sua cria mas ainda assim em concordância. E sabemos como são as mães e os pais quando o rebento corresponde exactamente ao que pensam e desejam: crescem e expandem.
" Bárbaro!"
Serve. Porque se calhar a pequena cria não conhece outro caminho para designar a beleza. Ou falta dela. Ajuda. Muito porque a progenitora também não conhece outra maneira de identificar o que se distancia da presença que com ela dorme todas as noites. Incapaz de abarcar o que a rodeia para além da ida para o escritório; logo a seguir ao alivio de quem se liberta, por algumas horas, da pequena criança à entrada da escola.
E morde o lábio inferior de maneira meticulosa, como que manejando o chicote metal do arrependimento pelo julgamento do que não conhece. Embora assim o desejasse. Assim fosse possível ultrapassar décadas de cegueira. A mãe cumpre assim o seu papel sagrado e divino. Não porque algum deus assim o tenha ordenado. Não porque nasceu desta maneira. Porque com toda a sua autoridade materna ainda não foi capaz de matar a complacência.
Mas talvez fique a imagem. Pode ser que à noite, arrumada a loiça suja na máquina, deitada a cria e finalmente sentada para mais uma dose de novela, a mãe se recorde. Pode ser até que comente com o seu homem que muito provavelmente já se encontra a dormitar. Ou então, que lhe surja uma única epifania para o resto da sua existência: o meu olhar não foi de compreensão. Foi de inevitabilidade.
Eu pessoalmente,
sei em que me vou transformando. Contrariamente ao que antes me foi afirmado, não saber qual o meu verdadeiro desígnio, eu sei! Porque me forcei a transformar. Porque assim tenho decidido e mesmo que o final seja uma monstruosidade, sei que não pretendi outra coisa. Outro caminho.
E lamento,
que os meus olhos insistam em olhar ao longe. Lamento que o meu conceito de amor se resuma verdadeiramente a uma e apenas uma pessoa. Para isso, criei labirintos onde todos e tudo o resto se perde. Onde não existe espaço para mais nada. É loucura, eu sei. Mas não me importo que o resto morra. Afinal, a morte de todo o resto nem sequer será a minha maior perda. Pressinto, no entanto, que maior das perdas é muitas vezes o que morre dentro de cada um enquanto vivemos. Sinceramente. Nada consegue dissuadir-me disto.
Contrariamente ao que seria de esperar, pouco me importa se isto revela algo de anormal. Não, quando se aceita a transformação e a necessidade de que aconteça.