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Alfa - Ómega
Eterna em Mim.
O Som Distante dos Mundos Vivos
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Existem locais onde eu gosto de regressar. Obrigatoriamente e numa espécie de fermentação secreta de recordações. É instintivo e muitas vezes sincronizado com os meus pensamentos. Aparentemente tais regressos sossegam os meus instintos de uma forma surpreendente para mim ainda nos dias de hoje. Rever um rosto é retocar as fracções de memória dessa pessoa, para que fiquem intactas e sem dano. Rever livros que fizeram e fazem ferver a minha alma é tão cruamente essencial como o silenciar desta necessidade de regresso a algo. Por isso a palavra é isto, toque nas ausências, principalmente para mim que sistematicamente me deixo arrebatar nas distâncias.
Aprecio locais de regresso como expressões subtis de catarse. Não apenas físicas e sólidas. Mas principalmente de consciência e conhecimento do que ali habita. Às vezes são apenas regressos e ecos. Nada mais. Ruínas que não pulsam e mesmo assim deixo inteiras num gesto cujo motivo desconheço, mas que insisto em preservar. Absurdo ao bom senso, mas teimosamente aceito que existam. Outras são o oposto. Pulsam como grimórios proibidos. São regressos que irradiam a beleza que certas recordações conservam em mim e são os instantes de reconhecimento de algo, como gestos ou palavras que bem poderiam ser para mim. Mesmo não o sendo, ainda assim gosto de passar junto a tudo isso com o desvelo dos que regressam para saciar a sede.
(Fleuma)
"Dozer ..."
Nestes dias de caminho tão próximos de um niilismo que respira presságios é quase impossível encontrar essa pequena, ínfima!, luz de esperança que, teimosamente, alguns guardam no brilho dos seus olhos. Não sei que estranha alquimia encerram dentro de si. Não consigo entender de que são feitos os seus nervos, como pessimista que sou mesmo não adivinhando rotura em todos os universos, não entendo esse quase despercebido brilho de esperança. Talvez seja uma contradição que sempre parece esmorecer esta torrente amarga de desilusão com tanta vacuidade mental, imaginar esses pequenos focos de resistência no meio de tanto alvoroço e redução a Nada, e hesitar antes de voltar a olhar para o Abismo. Creio sinceramente que sim. Eu! Que sei das minhas paixões e procissões ao lado de sombras e abismos escuros, mas labirintos, onde por vezes e muito raramente, fico transfixo nestas criaturas que se encolhem no aperto do embaraço de quem se atreve a sentir esperança. Por isso me parecem leves e etéreas ao meu toque e olhar.
E eu?
A minha esperança é outra e recuso que seja luminosa no brilho dos meus olhos. Mesmo recusando a ilusão dos que afirmam viver e sobreviver envoltos numa qualquer luz de esperança, preciso dos outros, daqueles que alimentam uma ténue confiança, escondidos como se isso fosse digno de piedade. Na minha esperança toda a sua luz é demasiadas vezes difusa, por isso gosto de a guardar para os dias de fome e desespero. Quero que seja apenas para aqueles momentos de profundeza sem irradiação.
(Fleuma)
(sagrada) Reynisfjara
(Por baixo da Luz fugaz ...)
Às vezes basta cruzar as portas e voltar à rua. Deixar que se fechem atrás de nós num reconhecimento sentido de que terminou, naquele sentimento que suspira uma secreta paz alegre. Voltar a pisar o cimento no regresso de olhos postos longe, num emaranhado que balança entre a saudade que ficará e esse instante quase despercebido de algo que se liberta sem retorno.
Adeus.
Quantas vezes me afoguei nesta palavra?
Tão poucas e raras porque sempre foi definitivo esse adeus.
E parecemos não ter uma clara noção do que encerra em nós um verdadeiro fim de caminhos cruzados, em que se torna este mundo quando cruzamos as portas e não voltaremos a regressar. O peso da certeza nos passos que se afastam cada vez mais depressa. O que significa esse preciso instante no que restará após a despedida. Um adeus impregnado naquele cinismo do que é realmente, inequivocamente, sentido em cada fibra nossa.
... E afinal fica tanto por dizer!
... Como neste lugar.
(Fleuma)
Perdi o controlo.
Pura e simplesmente.
O que tornou o processo ainda mais catártico e transviado do cismar habitual em que reconheço o meu próprio cogitar, a passagem entre os labirintos e a ânsia da mão que se estendeu. E é estranho que um gesto tão suave e assertivo, com uma longitude tão breve se transforme num pulsar tão violento para mim, volátil e fora de tempo. Esta é uma dissidência de sensações nos meus cálculos de antecipação, uma agrura que tento exilar por egoísmo de sobreviver há tanto tempo que já perdi a conta, sem a reparação do sucesso. É como se por vezes não sentir seja uma espécie de paz podre que consegue evitar uma conflagração violenta dos meus instintos, provocando um desabamento em torrente irrecuperável, um esticar emocional que mutila todos esses anos a esculpir uma armadura blindada, aberta apenas aos meus escolhidos.
Uma arrogância minha. Claro. Como se fosse capaz de filtrar os momentos de dano segundos antes do embate com uma eficiência predatória!
Mas creio que foram as suas lágrimas a cair nos dedos grossos da minha mão que criou a faísca da combustão. Foi esse quase inaudível gemido de fraqueza, aquele libertar de lágrimas tão friamente genuíno e cansado. Tão estranho e não reconhecido em mim mas tão potente naqueles precisos minutos, na mais absoluta demonstração de fragilidade humana, naufrágio e necessidade de abrigo na tempestade.
Humana demasiado humana.
Abri os braços e ofereci-lhe o meu peito.
Apertei com força. Demasiada força.
Chorou no meu ombro durante muito tempo.
E estranhamente, perdi o controlo.
Pura e simplesmente.
Naquele momento no tempo pareceu-me certo.
Apenas isso.
(Fleuma)
Os livros de notas estão cheios de fragmentos, estilhaços de intenções pessoais, conclusões curtas e encontros.
Como...
Duas criaturas juntas, sentadas na varanda a meio da noite, olhos postos nos pirilampos e com milhares de estrelas no céu nocturno. Olhos ora num lado ora no outro. Diria que o silêncio tem sabor nestes momentos, onde a noite se torna violentamente bela, e que se revela demasiadamente fácil aceitar a ideia de que as constelações falam uma linguagem própria, apenas revelada naqueles precisos instantes, fragmentos onde não é possível apenas testemunhar mas necessário registar em qualquer lado que seja.
Este registo de uma aparente banalidade é uma submersão nos fragmentos que alimentam os passos silenciosos de outros. O que pode perfeitamente esboçar na indiferença de tanta gente - os meus fragmentos religiosamente preservados, talvez venham, numa dessas noites de desencanto de uma outra alma, a ser anotados numa margem do pensamento como traços do que sou.
E porque acho que não se devem folhear estilhaços não consigo passar página por página os livros de notas dos outros, mesmo que por vezes os retenha anotando caminhos e olhares esquivos. Traços das palavras que começam potentes e algures pelo meio escurecem pensativas, vão deslizando para fragmentos, estilhaços de catarse que muitas vezes recortam os dedos a quem o tenta.
(Fleuma)