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Reconheço esse fascínio pelo fantasmagórico - seguir os  passos como se eu fosse um fantasma. Caminhar junto, no lado esquerdo, como um velho demónio, enquanto vou olhando com olhos que não os meus, labirintos escondidos do mundo, a outra sombra despida de margens e portas fechadas. Entre as batidas ansiosas das noites de insónia, silencioso, testemunhar um último estremecer antes do adormecer do corpo finalmente pacificado. Sair muito antes do amanhecer. Sem sentir a caricia de uma manhã radiosa

Esse é um estado ideal, perfeito, de instantes desconhecidos - conhecidos apenas entre silêncios partilhados. E não existe maior graciosidade do que aquela em que os sabores mais amargos são como antecipações de uma outra coisa, mesmo que mais negra e marcada a fundo. Doce. 

E é estranha a textura desta alquimia - pelo menos para mim - é de uma alquimia que se revela. Não a consigo tingir senão das minhas próprias cores. Acho que essa seria a verdadeira fórmula de uma tempestade perfeita - detalhar o caminho até chegar a compreender este fascínio.  Se calhar não interessa a mais ninguém a não ser a mim próprio. Mas sei que vivo faminto por demasiado tempo. Sei deste instinto.

Não me esqueças -  caminho pelo lado esquerdo da tua mão.

(Fleuma)

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O primeiro passo para essa reconciliação cintilou na noite em que deixei de me importar com o que outros pensavam de mim. Foi uma estranha emoção essa. Estranha e sufocante. E claro que nunca surgiria rapidamente. Jamais. Levei anos a pensar que o erro era meu, a ensaiar mudanças forçadas num Inferno meu, muito pessoal. E afinal, nem sequer deveria ter ido muito mais longe - apenas aceitar no que me transformei a partir dessa "reconciliação", porque  assim deveria ter sido.

Desde o inicio. 

Repito todos os dias o mesmo pensamento aceitando a ideia batida e rebatida,  gosto desta regra que me dita uma existência por ciclos, e da minha vontade de não deixar que se altere nada neste caminho. Por isso hoje, agora, uma outra criatura caminha por este lado. Nada tem de realmente superior, este sentimento. Não se tornou mais perigoso. Antes mais lógico sobre no que quero transformar o resto dos meus dias. E creio que só por isto tudo o resto tem sido justificado.

Alguns pressentem nisto um reclinar de espírito para o que mais sombrio habita em mim. E eu nunca encontrei qualquer desconforto nessa ideia. O que parece assustar as pessoas é a capacidade do Individualismo neste momento em que tudo é imaginado como coletivo e global. O que torna sombrio o Individuo é um certo livre arbítrio, que não aceita a hipocrisia dos que professam apenas a liberdade de pensamento e discurso  aos que são semelhantes. O que torna perigoso o Individuo é a mais absoluta descrença na doutrina de um "bem global" que irá criar uma igualdade mundial. Uma sistematização que afirma mentiras e ilusões.

(Fleuma)

 

 

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A promessa de um porto de abrigo, a certeza de conseguir respirar numa Casa, pertencer-lhe, como se sempre tivesse sido esse o meu desígnio, é a mais bela canção de amor que escutei. Creio que o caminho foi longo, foram muitas as vezes em que me desviei por outros labirintos, sei que, mergulhado nas minhas sombras, julguei nunca conseguir conhecer esse abrigo, respirar essa dignidade, antecipar a alegria insólita dos que chegam de longe e descansam. É doce esta canção de amor, nestes raros instantes que me turvam os sentidos, enquanto inspiro os últimos momentos de insónia, antes de morrer em sono solto. 

Há uma simplicidade tão absurda no pensamento de quem se sente Abrigado em silêncio absoluto, uma justificação tão cristalina na saudade e na tirania da nostalgia quando sabemos do regresso a Casa, enquanto vou tecendo mais e mais rasgos para afastar um sono tão pesado, cismando nessa ideia de morte abençoada entre as paredes deste lugar. 

(Fleuma)

 

 

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Os restos do dia ...

O método mais cruel de subjugação pessoal tem a química da companhia. A constatação das virtudes de uma certa cumplicidade, essa visão de um vazio por encher, onde algo nos falta, é uma chicotada na ilusão de estarmos sós e em paz. Conjurar o destempero de uma solidão é uma arte - um crivo que nos arrasta para longe naquele encanto de embalar virtuoso das notas escutadas antes do sono de criança.  Reconheço essa arte porque são demasiadas as vezes que por ela me deixo guiar.

Cego. 

E no entanto sempre pressenti uma necessidade de espaço ocupado por outro. Não apenas no pensamento, mas na emoção de sentir o calor de um corpo junto a mim. Algo primário, entranhado e inquietantemente reconfortante como uma saída de fuga. Essa cumplicidade acaba por se tornar um processo vital de sobrevivência pessoal, onde o afastamento e a necessidade de espaço vasto e isolado aumenta dolorosamente a vontade de uma companhia. E como se torna necessário, nesse isolamento, o som de um riso ou uma palavra segredada!

Eu aprendi tanto com este paradoxo! Um egoísta debruçado na companhia de outra criatura. Esse valor inestimável provado e saboreado com todo o requinte no silêncio; esse pulsar tranquilo do corpo nu que descansa ao lado  enquanto a noite se estende.  Esta é uma verdade insofismável - uns são viajantes outros são portos de abrigo. 

Quanto mais necessária se torna a distância maior é o desejo de outro. 

(Fleuma)

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(O NOME DO VENTO)

Quando chegares a este lugar mais alto respira comigo.  Reconheço esse varrer de emoções que transpiram nesse lugar alto. Essa nostalgia que irá cruzar a tua mente como uma serpente que se recolhe, de olhos fixos, perdidos no horizonte.

Respira, enquanto as nuvens tombam entre os braços esticados do nevoeiro pálido, debaixo de um céu rachado, cinza prata, inclemente. Sossega a tua voz, muda, em elação. Aqui dançam os ventos. Cantam e assobiam melodias de antes, deixam memórias de tantos sons! Ocultados pelo uivar dos Deuses!

Quero que respires comigo neste vento agreste mais velho do que o próprio tempo, de pés assentes neste solo que é a nossa própria casa, de queixo erguido acima dos ombros vergados pelo peso de tantos dias a caminhar.  A sabedoria dos Deuses escrita nas tuas sombras, a  escuridão transformada em alquimia de luz, diz-se... E eu sei.

Deixa morrer as palavras nesse abismo de silêncio, que a voz sufoque em submissão, esmagada, coberta por véus de sedução maldita, inebriada, transfixa.

Quero que, ainda assim, permaneças direita, orgulhosa, a sangrar, mas inquebrável. Destinada, mas pelas tuas próprias mãos. Criatura em desafio, agachada no seu próprio paraíso. Imersa nesta arte de fuga e enquanto os ventos falam de si no final deste caminho.

Mesmo nos dias em que horas conspiram para o esquecimento não deixes que adormeça a memória de onde foste verdadeiramente feliz.

Livre.

(Fleuma)

 

 

 

 

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"Leave your breath, as you ascend the clouds.
Subconscious travels, to the depths of space.
Trapped in darkness, discovering the untold."

Eternal Valley

 

A distância entre uma noite em frente a uma multidão que nos escuta, num teste onde verdadeiramente se rasgam todas as barreiras de solidão e afastamento auto imposto, e uma vontade, nunca realmente saciada, de afastamento quase draconiano, é o que mais considero como a definição de amor. Se calhar uma das muitas definições de amor. Se calhar não é nobre e feito de emoções cristalinas devotas. É demasiado pessoal , demasiado voltado para o Arquétipo Si - Mesmo, tão ostensivamente perigoso nesta era de globalização. Mas não consigo vislumbrar amor mais intenso do que nesta passagem: abrir as portas à entrada de outras criaturas para depois, num gesto premeditado e salvador, partir para outras distâncias e solidão consentida. 

Apaixono-me uma e outra vez nesta dicotomia amorosa. Gosto de perseguir estes mundos abençoados enquanto cultivo essa tranquilidade de quem pode ainda escolher, perfeitamente consciente desse privilégio, saboreando o conhecimento de quem cedeu demasiadas vezes.

Sacrificou para ganhar.

(Fleuma...)

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Poderia deixar-te atónita com o que já vi; com os odores que se transformaram em prazeres raros; poderia falar-te de sons apenas recontados com a eternidade no pensamento, tão distantes, e mesmo assim são como batimentos sanguíneos de outras auroras.

Sei que poderia descrever-te isso e tantas outras coisas!  E sei que te seria difícil acreditar, que sentirias ser impossível tanto viajar cada vez mais longe.

Não interessa.

 Transmutar.

Nunca aceitei apenas a virtude de viajar em pensamento. Existe um outro, maior, portento, na arte de viajar percorrendo distâncias. Deslocar o corpo entre Terras. Não existem fórmulas químicas para o justificar. Esta transmutação não tem pensamentos nos livros de escola. Nasce em nós. E depois é acarinhada como uma amante preciosa. Onde a existência se torna insustentável sem obedecer aos seus caprichos.

Talvez acredites que tudo isto não é verdade. 

Não interessa.

Porque hoje ficaríamos agachados junto ao calor de uma viagem tua. Hoje tudo o que é nocturno seria teu. Hoje a minha insónia seria tua. O meu silêncio sem respirar seria para escutar as tuas viagens. E as tuas esperanças em pedaços. Os teus sonhos mais sombrios. Os teus pensamentos em caminhos rasgados por luz. Aqui e ali. Tudo tem esse sabor quando os olhos brilham no escuro.

Tudo.

O teu pensamento seria o meu. A tua solidão seria a minha. As tuas paixões seriam as minhas. O teu murmurejar seria a minha lembrança em noites sem sono.

O teu corpo despido será coberto pelo meu manto. O sossego das tuas palavras seria o meu. O latejar dos teus anseios as notas escritas nas minhas cicatrizes.

O caminho dos teus passos ao raiar do dia o meu último viajar ...

... Antes de adormecer.

(Fleuma)

 

 

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Talvez um dia tudo o que reste realmente por aqui sejam os traços que fui deixando no meu caminho, pequenos sinais de passagem, pedaços de um todo que deixei ficar. 

Timidamente. Talvez.

Questiono demasiadas vezes nestes últimos tempos, cada vez mais envolto numa imensidão que me consome os dias e as noites, a necessidade de manter este local, esta terapia intima, porque foi assim que tudo começou aqui, numa forma distorcida e visceral de me ajudar a respirar sem sufocar. 

Nunca me imaginei escritor de nada. Porque escrevo de mim e para mim numa tentativa egoísta de silenciar, punindo com palavras, fantasmas e demónios; isso nunca será a tentação de quem acha ser um escritor porque escreve com o sonho da imortalidade, de permanecer além do corpo. O egoísmo não é parte de um escritor. Antes a necessidade de partilhar seja o que for.

Este local perdido de tudo (acho extremamente acertada esta convicção), sempre foi uma espécie de catecismo pessoal onde consigo presumir a minha própria inocência sem rejeitar o que sou. Principalmente, manter este local sempre se alimentou dos meus pensamentos transformados em palavras escritas. Porque nunca deixei de carregar em mim a ideia de escrever enquanto vou pensando, nunca deixei de acreditar na necessidade de expurgar o pensamento através da escrita. É como se escrever fosse uma extensão da alma.

Existem locais onde a escrita pretende edificar um altar de comunhão, uma congregação de fieis onde a partilha de palavras é tão vasta que tudo se torna gigantesco. Irrespirável.

Aqui sempre foi um pouco mais sinistro. Um pouco mais feito de fechaduras e janelas. E portas. Muitas portas. De traços escritos sobre erros e sobre os flagelos do crescimento. Às vezes caminho por estes lados despido seguindo os meus passos e a minha sombra. Gosto de falar com a minha insónia. Gosto de me lembrar de olhares, de sorrisos e de beijos oferecidos na minha língua. E de atmosferas. É neste local, na solidão do meu pensamento, que muitas vezes encontro o consolo da saudade e da nostalgia, onde as minhas preces deixam de ser vazias. Onde consigo parar e fechar os olhos.

Mas talvez este local esteja condenado a desaparecer para que todas as palavras do meu pensamento possam regressar a quem pertencem.

Novamente.

Afinal acredito em ciclos.

E não é que já não existam outros pensamentos ou outras palavras. 

Não.

Mas, de uma forma distorcida e visceral, também me apaixonam os locais abandonados e silenciosos onde apenas se consegue escutar o vento.

Fleuma,

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