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As minhas paixões são como chaves presas em fechaduras - aguardam apenas um primeiro, por vezes suave sintoma, para atear fogo aos dias e noites. Alguém me afirmou solenemente que seriam a minha derrota e queda. Talvez porque consomem muito da minha raiva, do meu ódio e principalmente da minha adoração - às vezes excessiva.
É estranha a melodia que entoa entre uma paixão e outra. Consigo, apaixonadamente, olhar-te nos olhos e afirmar-te que nada neste mundo permanece eternamente; tenho a certeza da verdade axiomática, tudo o que adoramos e odiamos acaba por morrer; da inutilidade e razão de continuamos a tentar teimosamente rezar perante um Deus de Nada. Surdo.
Consigo.
Como se estas fossem paixões últimas e definitivas.
Mas há outros olhos e mais palavras à minha frente que não aceitam despedidas; nem sequer últimas palavras. São como paixões com o sabor requintado de um vinho temperado pelos anos e colheita experimentada. São a negação aos meus instintos mais espessos. O rodar exímio da chave.
Os afectos tangíveis são os mais violentos para a alma. O Universo retém o suspirar no preciso instante em que a palavra "amo-te" é sussurrada ao meu ouvido. E a ponta da língua húmida embala o meu ouvido e os meus sentidos. Tudo em estado puro.
Quando, nos dias em que o céu está claro e a terra cinzenta, me sento no patamar das escadas e coloco os pés de botas pesadas em cima corrimão, deito o corpo para trás e vou bebendo lentamente o café negro e a arder, enquanto aspiro o odor intenso do amanhecer violento e frio do Norte, apaixono-me uma e outra vez pela solidão daqueles momentos em que tudo se silencia ainda. Esta é a paixão do egoísta mais expresso, onde tudo se torna possível pelos sonhos. A mais perigosa das paixões, porque é senhora e ciumenta.
Podemos não regressar desta paixão e solidão.
A luz que clarifica a mente é fugaz - tão breve como aquele precioso momento em que os olhos se cruzam e a certeza, essa eterna fugitiva, entra de rompante! Sem aviso. Sem presságios de sorte ou azar. Chega. Apenas isso.
Pode ser uma mensagem ou uma acção.
Ou então uma presença na hora exacta em que a mente se desprende de tudo. No preciso instante em que anos de vida se conseguem comprimir nos minutos em que, tudo conjugado, se consegue criar a alquimia suprema, ainda que isso signifique, aceitar que chega, o fim é necessário.
E está em frente aos olhos. Subitamente radiosa. Intensamente gigante. Impassivelmente pura. Cega.
O muro deixa de existir para este clarão. Fica desfeito em segundos e com este pulverizar a nossa verdade passa a ser a sua.
Existem iluminados que abrem os braços a esta epifania como Amor. E são tantos! Todos eles cobertos de certezas.
Eu não. E creio que deveria lamentar. Mas eu não.
Eu nunca acreditei neste luzir como Amor. Não.
Porque sempre me consumiram paixões que quero raras - porque me esgotam e me atiram para águas sem fundo. Não é Amor. Não pode ser.
É demasiado lancinante quando um corpo se une a outro. E sempre acreditei, serem estes os momentos raros e preciosos onde consigo tocar algo que se aproxima perigosamente de uma intensa e estranha chama divina, que se esconde dentro de mim.
Como pode uma presença eclipsar todas as fibras de defesa mental ainda me custa conceber. Como podem os dias frios respirar um calor tão intenso que se torna patético aos meus olhos, ainda hoje quero uma resposta.
Talvez eu esteja errado e sem retorno possível. Talvez afinal este seja um outro Amor. O meu. Que gosto de afogar na minha paixão quase obscenamente carnívora. O meu. Que alimenta as minhas esperanças.
Enquanto recolho a semente de tantos orgulhos dobro o joelho e baixo a cabeça.
Vale a pena. Por esta luz que aclara a mente. Mesmo que fugaz tantas vezes, respira-se em união.
(999)
....
"É preciso ter o Caos dentro de si para gerar uma estrela dançante."
Friedrich Nietzsche
Existe um elemento vital nessa beleza que a torna quase etérea aos meus olhos. Seria melhor para mim aceitar este facto e sentir toda a alegria do olhar e da presença.
Mas não.
Porque sou como um pesado Urso olhando pelas franjas da minha falta de jeito a sinuosa Pantera que parece caminhar sem chão, leve e quase arrogantemente displicente. Como se eu fosse uma rocha incapaz de algo que não seja força. Força para me mexer. Esforço para me levantar e erguer o queixo. Forçar à força.
Por vezes fico cristalizado na minha própria decadência. Rendido ao instinto primário de quem olha impotente, incapaz de outro gesto de salvação que me ajude a dispersar a magia de certos momentos, que sei perfeitamente serem únicos e nunca mais reproduzidos.
É parte fundamental do olhar não deixar que se esqueçam gestos que parecem pertencer unicamente ao cardápio de certas criaturas talvez não humanas; como se tais gestos fossem propositadamente expostos aos meus olhos cansados para despertar em mim a frustração.
Os meus sentidos descrevem, sem alarido, a esquemática dessa beleza, quando ela se inclina com a velocidade do vento e apanha o copo de vidro em pleno ar, antes deste se desfazer no chão, colocando-o, quase sem interesse, de novo em cima da mesa, enquanto com a outra mão suavemente puxa o cabelo longo e denso para trás de uma orelha.
Neste momento raro e único, nos gestos felinos e estranhamente silenciosos, se humilha a força. No sorriso rasgado de quem sabe dos seus caminhos, na mais perfeita noção do medo masculino: A confirmação do equilíbrio mecânico do corpo quase imponentemente belo aos meus sentidos, com a inteligência que transpira daqueles olhos intensamente femininos, que transforma tantas vezes a criatura que é o masculino. Fraco e desajeitado. Inábil.
Permaneço tantas horas neste absurdo estado de embriaguez enquanto vou solicitando mais e mais reservas da minha rendição, sento-me ao seu lado enquanto dorme. Vigilante na sombra da noite que vai longa. Sinto que respira suave porque afasto com mãos grandes, tentando ser leve como ela, os cabelos da sua face delicada, vou enchendo a minha insónia com a atenção e o medo, enquanto guardo aquele sono que não é meu mas que desejo proteger.
Do quê? Pouco me interessa naquela escuridão.
É como guardar o mais precioso e belo que tenho. É como se afinal tudo faça sentido e também exista algo de belo na ideia da força como protecção na fragilidade da Pantera.
Não sei.
Mas sei que nesta beleza mora a resposta para esta necessidade quase sufocante que sinto de a proteger. Mesmo sacrificando os meus instintos mais básicos. Contra a minha natureza mais elementar.
A esperança é velhinha. Tão velhinha que prefere esconder-se dos olhos alheios, enquanto permanece silenciosa e surda para os dias que passam, como correntes de ar que prefere evitar. A esperança é velha e doente. Fraca e caprichosa.
Mas eu gosto de a procurar nos seus esconderijos. Gosto de pensar nela nos dias em que consigo ajeitar o tempo e descansar; nestes dias preciosos porque escasseiam em mim, sento-me nesta cadeira que abana sem ruído e pergunto-me por onde caminhará esta velha decrépita. Para o descrente pouco impressionado a esperança é um prazer raro, secretamente obsceno e escondido nas sombras da alma. Como uma presa debaixo do peso austero do predador, apenas por breves instantes respira e regressa taciturna, e eu gosto de lhe abrir a porta.
Às vezes são chaves que abrem a fechadura forjadas em estranhas alquimias; por vezes palavras escritas por punhos de aparência frágil que transformam Universos e onde ao longe, bem distante, brilha a centelha envelhecida de uma qualquer vaga esperança.
Ou então, no mero sacudir de sombras, rompendo o silêncio, invadindo os meus espaços com o estranho néctar da companhia. É neste labirinto que mais se torna dolorosa a esperança em mim, porque se afastam as horas sombrias que amo e surgem traços grossos de luz que vão iluminando outros caminhos. Vou abanando a cadeira assustado - porque a esperança em excesso personifica um rasgo doloroso na minha armadura.
Sentado na cadeira de baloiço silenciosa, gosto de envolver com os dedos a chávena de café densamente negro e a escaldar, enquanto escuto os passos esperançosos, em silêncio. Temo que qualquer som a faça abandonar-me para sempre. Receio não conseguir regressar à nostalgia de me sentar ao teu lado, junto ao mar, enquanto escutas o murmúrio das minhas notas retiradas do catecismo de sombras que tanto amo.
Nestes minutos raros e únicos no seu sabor sou um animal agachado que sente a leveza em cima dos ombros, ainda que sejam apenas breves momentos, deixo que sussurre ao meu ouvido as suas preces e feitiços.
Michael Ackerman
A capacidade de sentir saudades é uma das maiores tragédias humanas. Sempre dolorosa, mesmo que, supostamente, alimentada por pensamentos agradáveis. Raramente misericordiosa. Frequentemente rancorosa.
Quando se misturam saudades com fugazes momentos de nostalgia vamos queimando recordações, morrendo um pouco de cada vez, suportando a promessa nunca cumprida, aspirando um pouco mais.
Recordo-me das saudades que me queimaram tão vorazmente nos dias em que a voz sinuosa não segredava a palavra "amo-te". A sua ausência é um labirinto que se precipita num vácuo indescritível para criaturas como eu. Como se torna possível uma mera descrição de um estado emocional, quando ausente, conter em si uma saudade tão latejante que se torna fisicamente dolorosa, nunca conseguirei entender. Como se consegue preencher o espaço vazio da fragilidade nascida desta necessidade de sentir que pertenço a algo sem me sentir ameaçado pela incredulidade, todos os dias me consome. Devora lentamente. Principalmente quando a noite se estende sem a presença de quem sei, seguramente, conseguir dar-me abrigo.
Mas talvez a saudade seja também o vigor daqueles que nunca ficarão realmente sós. Talvez seja mais um caminho seguro para voltar à casa distante, na companhia da nostalgia do sussurrar de quem acredita em mim.
Talvez a tragédia da saudade seja o preço que pago a quem ainda hoje acredita em mim.
Ainda que pague dolorosamente esse preço para escutar a melodia "amo-te".
Eu ...
(999)
antes do sono, porque estou cansado ...
" gostaria de dominar a expressão ou as palavras escritas - como se fosse possível exercer a pressão certa, necessária, para justificar o que já foi justificado com outras notas na margem de outras folhas. neste gosto do que cintila por baixo de certas cicatrizes, algo que vai sucedendo em todas as horas que o meu corpo se junta ao teu, e as a palavras se tornam silêncios; quando algo diz branco e eu vou dizendo negro.
não creio que o seja o verbo a justificar a minha estúpida falta de talento para fazer sentido neste turbilhão; não consigo trabalhar a palavra com a precisão do meu pensamento; mas a teimosia dita os meus caminhos e o meu sonambulismo por isso recuso a defesa.
mas se a palavra escrita é isto, talvez seja apenas necessário escorrer esta vontade de deixar que enterres na minha pele os teus segredos; talvez me liberte desta sombra que alimento sempre que brilha a ideia de que não mereço o teu portento; por vezes - nos momentos em que acordo e observo o teu corpo no escuro da noite profunda - esqueço-me do que sou e mereço, e consigo sentir o sabor do beijo; enquanto alimento a suavidade do perfume tento respirar contigo - o Cosmos fica ali, estático e mudo.
e quase, quase, consigo sentir-me inocente depois de tudo. E quase, quase, sinto a veneração pela tua impossível capacidade de cuspir piedade na minha alma. sabes como se torna dolorosa a tarefa de aceitar uma outra criatura que não vende as minhas imperfeições para se salvar a si mesma? sabes?
dizem que a falta de sono corrói o pensamento - como se a insónia fosse aquele pequeno demónio delinquente que vai pintando as horas na falsa ideia de sono e sonhos. mas para mim é tão claro. o sono atrasa a tua chegada e sei que vai assassinando lentamente esta necessidade que tenho de ver e olhar - o sono é uma mentira vestida de cansaço. apenas isso."
Dizem que sorrimos mais, que temos sempre um sorriso a iluminar o nosso rosto. Dizem que o brilho nos olhos não deixa qualquer dúvida. Paixão e amor.
Eu não vejo nada disso. Nem sequer creio conseguir definir o que sinto sem cair no universo absurdo de um lírico romântico ... que não sou. Mas se por fora nada parece alterar-se, por dentro tudo parece ter sido devastado. Não consigo, se calhar evito, encontrar outra palavra que não o estado devastado.
Correram muitos meses e mesmo assim não consigo dominar a ansiedade. Não conseguir entender os sinais de quem entrou de repente e sem pedir permissão, revela-se penoso. E eu sempre pensando que já sabia, já havia lido e nada restava para ser ensinado. Tudo estava garantido e reparado na separação. Sozinho podia recomeçar a viagem.
Existem criaturas e criaturas. Somos muitos mas apenas uma pequena margem desta merda de existência é habitada por uma minúscula elite, capaz de aparecer diante dos nossos olhos e abrir uma outra página. Contra qualquer acto de defesa, rasgam o que carinhosamente foi urdido como fortaleza de protecção. Nunca mais se torna possível encolher os ombros e enfiar as mãos nos bolsos em desapego egoísta.
Existe uma nostalgia dos dias em que o pensamento era único e apenas para um. Há um fascínio intenso no minimalismo emocional de quem se sente só e tem prazer nisso. Mas esse minimalismo é fortuito como os olhos de um gato, porque alguém se encarrega de nos preencher cantos escuros e dormir com os nossos pensamentos. Uma criatura que parece conhecer-nos em cada fibra, vai caminhando cada passo ao nosso lado sem necessidade de esforço.
Sinto saudades quando não está presente. Pensei que isto se desvaneceria com os dias. Não.
Novo para mim é o sentimento inexplicável que aquela criatura em toda a sua beleza quase humilhante é preciosa e que deve ser protegida. Não consigo racionalizar a sensação de protecção enquanto deixo que adormeça contra o meu corpo; que o calor que viaja para mim exponha necessidades que tento controlar a custo; as horas que permaneço acordado e vigilante suscitam emoções intensas quando afasto o seu farto cabelo para trás.
Gentilmente. Trémulo.
Tudo estranho. Tudo.
E vou vampirizando cada um dos seus traços. Permanecendo pasmado com os seus movimentos felinos e rapidez de acção. Deixo que se sente em cima do meu corpo, para sentir o perfume da sua pele, e antecipo a sofreguidão quase demente quando se formam curvas no canto dos seus lábios e uma risada de dentes brancos e lábios grossos reduz a pó qualquer necessidade de palavras para tentar explicar o que não tem explicação.
Que também não consiga explicar o quanto engenhoso se torna o seu pensar quando assim o decide, apenas contribui para esta minha estranheza radioactiva. Creio ser a racionalidade pincelada de astuta sabedoria.
Calo-me.
Não tenho esse sorriso permanentemente colado a mim. O brilho dos meus olhos, disse-me, fala de outras coisas, mas palavras e sentimentos são segredados por uma voz que os transforma em emoções sinceras. Força-me a acreditar que é possível.
Pequenas notas para mentalização ...
... um cego e o seu cão adoram-na.
... uma criança tornar-se vibrante, sentindo-se em casa quando está com ela, merece uma séria referência mental neste meu pequeno catecismo de incertezas.
Eu vejo as suas sombras e desisto de resistir.
Tudo parece estar contra mim.
Eu costumava despejar os sentimentos; deixava desencadear as emoções em torrentes maciças de sensações. Nesta urgência implacável de manifestação, recordo plenamente, o que restava era pouco. Ou nada. Um vazio terrível; uma desilusão palpável aos mais pequenos detalhes. Uma destituição de preenchimento que sempre associei ao facto de exigir demasiado e detestar guardar dentro de mim os pequenos problemas de quem não gosta de ficar cheio de intenções. E emoções.
Sempre pensei dizer o que sinto no preciso momento. Incapaz de resguardar o desgaste que causa o silenciar que tantas e tantas vezes é necessário. Mortificam-se outros. Também morremos, claro, muito lentamente. Mas assim seriam as coordenadas de quem acha a verdade como absoluta. Essencial.
Agora.
Creio que existem, algures neste universo, leis que se divertem na criação de modelos de flexão. Estou convicto que existem momentos em que tudo o que pensamos saber, tão carinhosamente aninhados na nossa alma como ponteiros de orientação para a vida ( que estranha piada, esta!), se desarranja por culpa de uma outra pessoa. Existe esta absurda noção de catástrofe com sabor a redenção quando nos é demonstrado com precisão sinistramente cirúrgica, que existem outros caminhos a trilhar muito mais longe.
O que mais me perturba é a noção de aprender de novo. Como se o que antes foi devorado e aceite como alimento se tornasse inútil; um reflexo pálido da necessidade extrema e por demais essencial de silêncios em vez de tempestades; uma demonstração das virtudes de reter o que muitas vezes deveria ser dito de imediato.
Silenciar que me foi revelado por outra criatura como imposição e aprendizagem. Porque afinal, não será de voltar a aprender que se trata? Que a minha racionalidade, sempre tão feliz no postulado de exame até reduzir tudo a pequenos detalhes, se recolheria neste portento intimo que se torna o fechar a torneira da torrente e deixar sair o que deve sair em pequenas rajadas constantes. Economia pura e dura.
Nunca seria um candidato a prémios de paz. Até porque o meu egoísmo não deixa que outros consigam os feitos desta criatura. Creio que ficaria louco se tal eu permitisse. Mas entre estes ódios que são os meus, aprendi com ela, a lei de acorrentar cães raivosos cujo rosnar é música para estes ouvidos.
Anoto como aluno paciente a virtude da paciência. A beleza do vazio que será colorida com a sua presença. O respirar da saudade que sempre me pareceu amarga revela-se agora como um tónico de lembranças para que algo se repita. Os perfumes familiares e ruídos de quem se move como um felino. As palavras ditas e escritas com intenção de rasgar, abrir caminhos que não os meus.
Tudo me assombra nestas emoções. Deixar que outro ser estenda a mão e aponte; que é também racional baixar os braços e escutar. Que o silêncio fala. Fala volumes. Mesmo que se tratem de sussurros e pequenas palavras que a minha alma tanto necessita. Mesmo que sejam o respirar com outra pessoa.