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Algures, alguém pensa em ti. Alguém, algures te chama anjo e usa belas cores do arco-iris para pintar a tua imagem e beleza.

Para esse alguém tu resides na beleza impossivel e apenas podes viver na mente.

Sim, alguém sonha com o teu suspirar quando sentes um toque. Como se fecham os teus lábios e os teus maxilares se contraem à chegada do prazer.

Deixa que sejam estes os pensamentos. Sei que irão salvar uma vida. Deixa, deixa  que te chame em silencio e tu respondas.


Cristalina. Pura. Salvação e escuridão. No pensamento de ti.

 

Salvação tão poderosa no teu rir. E tu nem imaginas a que ponto consegues cauterizar as feridas que alastram  e matam.

Todos os dias são iguais. Em todas as horas pressinto-te desesperado. Aparentemente, tudo parece correr como sempre quiseste. Tu sempre achaste que controlavas os riscos. Mal ou bem tu quase sempre aparentas normalidade.

Posso discordar? Adianto sequer, recordar-te que essa estranha traquilidade não te assenta bem?

 

Por vezes, vacilas. Insistes em ligar para o seu número de telemóvel. Já não existe. Ou está vedado a sonhadores como tu. Nada sei. Apenas que as tuas mensagens de partilha de desespero e amor nunca parecem chegar a ela.

Mas sei o que te deixa os olhos brilhantes: o desejo de ouvir a sua voz. De novo. Nem que seja por escassos instantes.

E tenho notado que desde de alguns meses para cá, tens mais dinheiro. Até pretendes comprar um carro novo! Dizem que amadureceste. Eu não creio em falsas aparências. Quando entro pelo teu apartamento fora, o que sinto é vazio. Mesmo que esteja impecávelmente limpo e arranjado. Mesmo com o topo de gama preso na parede ( onde se encontrava o seu retrato ...), a zonas escuras são cada vez mais presentes. Quase se torna física, a tua saudade. Tão fortemente dolorosa.

 

Substituir o calor humano, o cheiro da paixão por um majestoso ar-condicionado, permitiu controlar o clima e afastar as tempestades? Poder dominar a televisão a teu bel-prazer e dormir no sofá porque receias a lembrança quando te deitas na cama do quarto, foi um preço justo de troca?

Então, a dignidade que aparenta traquilidade e bem estar é apenas um estranho chorar sem lágrimas. Todos os dias são igualmente os mesmos. Passados a viver em desespero pelo que perdeste?

Dias bons ...

 

4.30 da manhã, sentados junto à enorme janela de vidro a  ver rair os primeiros traços de luz. Na mesa, entre nós, café negro quente e forte. E o pão torrado, coberto de manteiga, velho de 3 dias, pronto para saciar a fome física.

Por imensas razões que só eu realmente entendo, existe algo em ti que me transfigura. Tento,  de forma sistemática, colocar por palavras essa transfiguração. O que me ocorre? Uma comparação: a ligeireza da brisa.

 

Tal é a forma como consigo rir e  exprimentar ao teu lado.

 

 

Parece que, afinal, tudo correu bem. Nada apontava para o facto. Tudo previa desastre. Não por nós, diga-se. Antes pelos outros. Sempre os outros, não é?

Com o convite feito, em cima da hora e mesmo com todas as minhas dúvidas e previsões, não te foi possivel recusar. Tínhamos de aparecer, mesmo não estando preparados.

Mas, afinal, tudo correu bem. Mesmo sentindo como estavamos diferentes e distantes de  tudo o que nos rodeava. E de facto, seria impossivel passarmos despercebidos no  meio dos copos e do brilho das luzes. Entre o "vestir bem" e o perfume francês, senti os olhos cravados em mim. Como não? Barba de quatro dias, cabelo rapado e a pele já escurecida pelo sol que pouco deixo tocar-me. Os olhos viajaram pela minha camisola preta e sem desenhos, pelos meus calções de bolsos e principalmente, porque as pessoas tendem a não saber aceita-lo, pelas tatuagens nas minhas pernas... tudo entre sorrisos embaraçados e pouco tolerantes.

 

Tu, cabelo apanhado atrás da cabeça de forma descuidada e natural, envolveste o teu braço no meu. O rosto que aprendi a conhecer, firme. Os olhos maliciosos, seguros. O queixo levantado e o caminhar sereno. Pouco te importou que olhassem as tuas botas pretas ou o teus calções curtos. Perante o teu riso, senti que poderia absorver tudo, mas tudo, nesta merda de mundo. Só pela tua mão sairia da escuridão para entrar num mundo que nunca será meu. Porque não o quero e porque me mataria mais rápido.

Não precisava de mais provas, claro. Mas tu assim o fizeste. Onde outros teriam abandonado o incoveniente, tu acompanhaste. Seria bem mais fácil negar o convite, afinal tinha chegado em cima da hora. Mas eu não esperava outra coisa de ti. Nunca foste mulher de gostar de coisas ou pessoas fáceis.

 

Correu bem. Mesmo bem. Nem que seja pelas tuas gargalhadas de prazer incontido.

Mais uma bofetada tua num mundo de ovelhas.

A menina do papá tornou-se mulher. Por um acto de coragem, por uma chama subitamente grande. Imensa!

Quanto custa assumir uma paixão, menina do papá? Quanto te custará, no futuro, essa paixão por outra mulher? Diz-me.

Eu sei, sempre o soube. Lembras-te? Quem, tem realmente dado o ombro para as tuas lágrimas? Quem, tem escutado a tua penúria sentimental, decisões não acatadas e tristeza incontida? E mesmo em silêncio, quem tem falado contigo?

 

O mundo não é um lugar belo, menina. Já muitas vezes to disse. Acima de tudo, o mundo não entende o teu amor.

Por muito que tentes este mundo é um lamaçal filho-da-puta, que odeia tudo o que se assemelhe a uma réstia de diferença. Não compreende o teu amor, mesmo que afirme o contrário. Mesmo que se diga tolerante com as diferenças, acha que estás doente. Acha que padeces  de uma qualquer sinistra praga.

Eu já o sabia há muito. Já conhecia esse teu amor, mesmo antes do teu papá, menina. Bastava olhar-te nos olhos. Na forma como aceitavas uma solidão que não desejavas. E nunca me pediste para aceitar. Apenas compreender.

Quero dizer-te o que antes já o dissera: aceito e compreendo. Nada te concedo, antes pelo contrário, tu é que me deste. Confissões e tristezas. Palavras. Coragem. Uma palavra que cada vez é mais rara. Destemor.

 

Sou tudo o que diz o teu pai. E muito mais.

Cínico. Orgulhoso. Arrogante. Desprovido de moral cristã. Obsceno. Impaciente e sonhador.

Mas sou também vampiro de emoções. Vergo perante o teu acto de assumir um amor diferente. Nada paga o teu sorriso de alívio.

Ambos sabemos que nunca mais irás ser a mesma. O futuro será o que quiseres que seja.

Por mim, para que consigas ter uma pequena ideia do quanto me deixaste rico e sábio, o suave previlégio de poder ver a paixão e o amor de uma forma que não conheço. Pelos teus olhos e palavras.

E um sorrir de cumplicidade e  satisfação por  cada momento em que penso nisto.

 

 

Por vezes é bom. Rejeitar o que sou e não ceder aos impulsos. Ao orgulho e ao respeito.

Ás vezes é bom. Sair do meu labirinto e não respeitar o que outros me pedem. Pedem a necessidade de solidão e de afastamento - para melhor pensarem.

É bom, que não aceda a tais pedidos. Por vezes. E ficar.Teimar em permanecer. Contra a minha vontade. Até contra a vontade alheia.

Porque sei que nem sempre é realmente bom estar só. Por vezes é preciso que me esqueça do que sou realmente. Recusar os instintos e afastar-me.

 

... Em nome de outros.



Não tenho nenhum talento especial. Nada que mereça uma parcela de atenção de outros. Mas recordas-me como sou curioso perante certas coisas. Se calhar, a curiosidade é um talento? Espero que sim; preciso de ter algo a que me agarrar. Sem desesperar pelas horas vivas que só tu me trazes.


Sorris, quando te digo que se Deus realmente existisse seria um astronauta. Só assim se poderia explicar porque se  desliga de tudo. Por gostar da viajar e olhar para outros planetas. E não este.

Sorris, quando acho que  Deus seria o rei do humor. Só poderia. Com criaturas como nós ...


 

 

"A alma é algo de disforme e maleável. Com o nosso corpo podemos brincar, transformá-lo. Mas de forma limitada. Finita. Com a alma não se conhecem limites de concepção. Qualquer tratamento estético, qualquer crença ou ligação são passageiros.

Almas há que julgam conhecer, porque se acham em sofrimento. Também existem criaturas que pensam ser bondosas de alma, apenas querendo satisfazer e amar. Mas, quantas almas existem de facto, que já se aventuraram na verdadeira escuridão? Um estado catártico revelador do que realmente somos? Uma terrivel e inevitável conclusão do verdadeiro estado da nossa essência interior. Almas disformes como barro. Prontas a ser trabalhadas. Assumindo a forma que mais se deseja, mas permanecendo num fundo de escuridão. No instinto e na negação."

 

"Nunca invejei os que se sentem iluminados pela vida. Algures, por entre a miséria humana existe um lugar para os que são como eu. Os que nunca querem dar a outra face. Perante nada. A não ser pelo seu desejo egoísta de proteger os que lhe são queridos."

 

"Reparo que cada vez mais sinto que preciso de sair deste local. Procurar o frio. A escuridão polar. Sinto necessidade de revisitar aqueles amanheceres repletos de luzes de aurora.

Lidar com a minha própria tristeza é muito fácil. Mas tentar sequer, compreender as lágrimas que te percorrem o rosto, é uma virtude que não tenho. Em vez disso, vou odiando por ti. Desejando incendiar quem te magoou. E vê-la arder. Lentamente. Mataria sem a mínima dúvida. Sem um remorso. Se isso servisse para limpar essa dôr."

 

Aversão por um amontoado de gente? Culpado.

Pequenos prazeres como a solidão da escolha, de escolher quem eu quero que me acompanhe e a quem eu pretendo dar a minha paixão? Eu. Culpado.

Que não oiça a música que outros cantam, que não lastime o desejo de me afastar desta rotina que mata lentamente, volta a fazer de mim, apenas eu, culpado.

Pequenos prazeres. Culpado.

Como o fixar do olhar no grosso fio de cabelo que teima, teima sempre, em  escorrer pelo meio da tua testa. E tu, despreocupada mas sistemática, voltas a pô-lo para trás.

Culpado.

Como sussurras ao meu ouvido, convincente. E porque és sensual , porque não o fazes de propósito, apenas nasceste assim, enrolas a tua perna na minha. Depressa trepas por mim, suspensa. Agarrada ao meu pescoço. Vencido, vergo, o mundo torna-se num lugar quase desejado.

Culpado. Eu. E tu.

 

A culpa. A minha. Vivo com ela. Há anos.

Mas não a carrego só. Isso foi antes. Não agora.

O fardo da culpa tornou-se díspar. Mesmo que me parta as costas, não me rasga a consciência. Mesmo que assome à superfície, vinda da catacumba a que a condenei, depressa afogo a culpa. E pelos teus olhos, consigo guiar-me. Mesmo estando escuro. Breu aterrador. Brilhas.

 

Culpado, eu.

Perdi a fé em quase tudo. Consigo afirma-lo sem hesitação. Consigo ter esta certeza.

Mas não em ti. Não em mim, receio. Continuo a viver, não é?

Dizem ser um milagre, ter sobrevivido. Tolice. Foi antes pela tua mão que me ergui. Foi pela força que em mim depositaste. Tão grande!

Que em mim ainda se alimente este monstro desalentado e desalinhado com a vida, também morro de vontades. E quase te consumo vorazmente. Mas retenho-me, penso. Se o fizer, não mais será necessário respirar. Porque tu não estarias aqui.

Não...

 

A minha lei, escrita por mim em plena consciência e vontade dita: primeiro eu. Eu devo desaparecer primeiro. O contrário é uma abominação.

Abominação onde não entras. Não te deixo entrar. Nunca. Se calhar poderias trazer a tua luz e dar sentido a esta abominação.

Nunca. Primeiro devo desaparecer eu.

 

Culpado. Assumo. Eu.






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