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A memória exacta do primeiro dia em que comecei a viver sozinho nunca me deixará.
Recordo-me de que era já noite cerrada e eu tinha acabado de chegar, após mais um dia a trabalhar e a estudar. Sentado no chão da sala minúscula de um apartamento minúsculo, de costas contra a parede, sabia que provavelmente eu teria a melhor vista da cidade. Conseguia ver o largo da graça e tudo o que o rodeava. Recordo-me de me perder num estado de cansaço absoluto. Esticar as pernas e ouvir os ossos a estalar. Nem sequer ainda tinha a luz ligada. Aquela escuridão até era bem vinda.
Também ainda não tinha mobília e por isso deixei-me ficar contra a parede, com o casaco de penas vestido e o capuz posto, porque aquele era um inverno duro e implacável. Sentia um misto de solidão descompensada e uma euforia que me deixava quase doente. Um silêncio absoluto para pensar e ruminar no que iria ser a minha existência a partir daquele dia, onde ( e eu sabia-o de maneira tão intensamente visceral) não haveria retorno ao passado recente de alguns dias.
Adormeci.
Com o queixo enterrado no colarinho do casaco e as mãos nos bolsos. Pela primeira vez em anos, sentindo-me quente e
confortável. Acordei no dia seguinte, num domingo, eram já quase cinco horas da tarde. Dormira muito para além de quinze horas e o céu continuava da cor do chumbo. Caía uma chuva suave.
Saí para a rua.
Dentro do meu peito havia uma emoção de liberdade tão violenta que pensei que o meu coração iria parar. Caminhei horas pelas ruas. À chuva. Absorvendo o que me rodeava e contra todas as previsões, premeditações e agravos, sentindo-me feliz e livre.