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Tudo começa quando forço a saída do afastamento. Quando se torna dolorosa a ideia de que é necessário regressar por umas horas, afastar-me de uma reclusão imposta, onde consigo respirar, e os silêncios são sempre rompidos por uma outra voz, tracejada de luz como em noites muito escuras, uma salvação, antes do abismo. Porque a solidão e a distância deixam-me embriagado, sabes? Os silêncios quando não são quebrados por uma voz ameaçam muitas vezes os meus pensamentos; são paixões tão perigosas como venenos de absinto, que me tornam demasiadamente esfomeado.
Gosto de chegar à Cidade e caminhar em passos lentos pelas ruas brancas de neve. Quando as botas pesadas se enterram nesse branco, quando o casaco negro, comprido e grosso raspa pelas pontas de gelo, emitindo aquele som ancestral para o caminhante, o prazer é quase infantil, sabes. Um absurdo sentimento de ardor alegre a que não permito o capricho da manifestação demorada. Mas há algo de transcendente para uma criatura que veste de negro como eu, ao andar lentamente por ruas brancas, pisando os passeios húmidos, entre pessoas atarefadas com os seus casacos pesados de muitas cores, e que olham desconfiadas para mim. É como se eu fosse uma figura fantasma, distante e deslocada naquelas ruas. Antes, era dolorosa esta ideia. Agora? Nenhum rei, profeta ou deus conseguirá convencer-me de outra coisa que não se banhe na indiferença. Mesmo que me sinta deslocado num qualquer paradoxo transcendente.
Quando as frugais horas de luz e sol dourado dos dias do Norte se retiram, envergonhadas, chegam com elas a escuridão da noite; sabes, não é possível colocar em palavras um Céu que se torna profano de luzes cósmicas, uma comunhão que silencia o mais intenso dos pensamentos, uma alegria que raramente sinto ser minha, muito minha!, escorre numa torrente quase impossível de ser contida. Mesmo as luzes da Cidade mais bela que conheço, entre as portas dos cafés onde se come e bebe entre gentes que aceito como minhas, no calor da paixão das gargalhadas mais valiosas para os meus sentidos, nada se compara às noites do Norte.
Nada!
Creio firmemente que somos o ritmo dessas Noites. Uma revelação para mim como o mais primordial. São Noites tão entronizadas como as que todos o dias, no meu afastamento, testemunho, porque são um mesmo e um todo.
Gosto de me iludir na sua química. Gosto de pensar que são para mim aquelas luzes que bailam naquele céu cósmico. Tonto, incapaz de as acompanhar dançando, gosto do egoísmo sonhador que alimenta essa ilusão.
Uma bela noite para morrer. Sim.