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Ainda hoje eu anseio por uma explicação racional, mínima que seja, para a ideia de alma gémea. Talvez porque seja espessa a minha dúvida, sempre que vejo retratado este conceito, sem dúvida fruto de uma mente degenerada pela incapacidade de aceitar a sua solidão, só consigo questionar uma e outra vez e nunca me é apresentada uma resposta coerente. Pois então, parece que alma gémea é ideia assente em fé. Religiosa e relíquia de literatura de baixo calibre, assim a rasar o saloio imprestável.
O que me intriga nesta coisa de almas gémeas tantas e tantas vezes ditas e escritas em outras línguas que não a de Camões, nem que seja só para parecer sofisticado neste burgo, é de imediato a ideia que transmite. Há algo obsceno na ideia de alma gémea que leva para o domínio de rebanho e grupo que pensa e age da mesma maneira. Coisa que me deixa aterrado! É algo que me suscita desprezo e nojo.
Mas Fleuma, então o amor e a partilha de sentimentos entre semelhantes? E o calor de um abraço ou de um roçar de corpo?
Reservo o meu direito a reservas, respondo eu. E indago:
Uma alma gémea para que não seja uma qualquer abominação deslavada necessita de igualdade em relação a quem decidiu que queria algo gémeo. Assim! Sem mais nem menos sentindo-se só e desprotegida imagina outro semelhante. Portanto terá de possuir os mesmos atributos em qualidades boas e defeitos. Significa que a pobre alma gémea herdará a sagacidade, a coragem e destemor bem como a grandeza interior de quem a elegeu como sua siamesa. Neste caso até nem será pobre - antes rica em proventos e luz que ilumina o túnel.
Mas, sacana de mas estava aqui escondido algures em espera para pontapear a ideia de esperança, e se quem assim tiver decidido, assim porque sim!, imaginar uma alma gémea nas suas viagens de faz-de-conta pouco mais seja a nível intelectual, moral e até em utilidade, do que uma mera mancha existencial. Assim descrita por confirmação indelével. Contra factos não existirem argumentos.
Aqui vacilo e estremeço!
Significa que a pobre alma gémea será um reflexo de tudo o que é cretino e disfuncional em quem a elegeu como tal? Que apenas significa ser um ombro de ajuda para as chagas de uma vida despendida naquela maresia tão própria dos que acham que evoluir é filosofar feliz e ignorante.
Mas e se a mesma alma afinal não se sentir gémea e apenas piedosa perante tamanha e incompetente calhorda? E se, não querendo ser contaminado por tanta burrice e nevoeiro mental, a dita alma que não quer ser gémea apenas sinta pena e solidariedade com tanto sofrimento moral? Porque as dores e golpes de quem elegeu uma alma gémea, assim porque sim!, são tão vastas como a sua própria moralidade de bazar em dias de feira.
Não sei. Hesito.
Valerá o risco aprisionar uma alma imaginando-a gémea quando se habita um universo de pedante imbecilidade?
Isto não serve para responder à questão que me atormenta e ao necessário de uma explicação. Almas gémeas são como desacertos imaginários onde forçamos uma qualquer criatura a reduzir-se à condição de reflexo incapaz e se a nossa natureza for a de um pedaço de ossos ocos, ainda se torna pior.
Imagine-se Aleister Crowley, H.P. Lovecraft ou um Sam Harris a imaginar almas gémeas. O mundo deixaria de ter disparidades e passaria a ser um vale de imbecis incapazes e com algumas réstias de imaginação. Apenas isso. Já bem basta o seu grande número a arrastar o cheiro por todo o lado.